Prólogo

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Estava frio do outro lado do muro. Ninguém me avisou que a temperatura era tão bruscamente baixa ali.

Diziam que o castelo foi de um rei poderoso, cego pelo poder e morto por sua filha rebelde. Outros alegavam ter sido de uma bruja diabólica, uma mulher velha e caolha que se alimentou dos próprios filhos e costurou a boca de seus servos, para garantir que nunca contassem a verdade.

Eu não atravessei os muros enfraquecidos pelo tempo, imundos e cobertos por alguma massa grossa e cinzenta que fedia mais que porco, porque eu estava super interessado nos boatos do povo.

Escalei a corrente velha e enferrujada que amparava o lado esquerdo do portão de madeira semi aberto pela mesma razão que outros fizeram antes de mim, e provavelmente morreram tentando: para ver a luz.

Talvez fosse uma razão tola, mas não me importou muito. Fazia três dias que eu não era avistado nos bailes da corte, tampouco visto nos banquetes ou caçadas. Ninguém notou ou se importou. Somente, quem sabe, Apolo, e apenas porque eu era o único que lembrava de visitar aquele cavalo velho.

Então que diferença faria se eu morresse tentando seguir um boato alimentado por artesãos e nobres bêbados?

"Se o príncipe Montoya morrer, não haverá mal algum, existem mais seis príncipes para ocupar seu lugar!", foi o que o rei disse. Desprezível como qualquer outro monarca sedento por poder.

Quando deslizei por entre aqueles corredores fragmentados e vazios, tão podres quanto cadáver, eu não estava buscando por um desafio ou razão para viver, só queria saber se era verdade.

Se a luz era tão bonita quanto diziam. Se ver tanta beleza quanto afirmavam existir traria algum significado ao meu existir.

Devo ter chegado cedo demais. Esperei. Esperei. Esperei. Sem luz. Sem nada. Somente um príncipe imbecil fazendo papel de tolo por ter acreditado na fofoca de uma ama.

Talvez o meu futuro teria sido menos cruel se isso fosse verdade. A noite terminaria com a minha volta despreocupada à segurança do castelo, do reino de mentiras que não tinha um lugar para mim, mas que seria meu, de todo jeito. Uma vida toda pela frente, uma esposa arranjada, herdeiros e guerras indesejadas.

Porém, ela tomou interesse por mim.

No instante em que decidi partir, ela desceu dos céus, da própria lua. Não era luz coisa nenhuma, era uma princesa, aquela que preservava um destino cruel para mim.

"Eu quero você...", me disse.
Um aviso.
Ela me faria dela, não importasse a minha vontade.
Aqueles olhos eram a minha vontade.
Seus lábios pressionaram os meus.
Eu vi amor.
Depois a verdade.
Naquele beijo encontrei minha prisão.
Do outro lado, no reino que me esperava, não como príncipe.

Um título mais poderoso e solitário: o guardião dos mortos.

🌗

Nota da autora
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