22. Uma flor por cada alma

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— É Fenrir? O mesmo lobo que vi descansando em um templo quando cheguei a este mundo? Não havia uma criança com ele?

— Provavelmente. Fenrir também protege a alma das crianças. Sempre há crianças perto dele dormindo ou brincando. — Montoya sorria com orgulho ao descrever o alebrije. — Esse vira-lata tem um coração mole.

O lobo rosnou para Montoya. Fiquei curiosa para saber que tipo de relação distorcida eles partilhavam.

— Ele não é também o seu carcereiro? O responsável por te manter preso a este mundo? — Franzi o cenho, confusa. A cicatriz no rosto de Montoya também havia sido causada pelo lobo.

— Não nos entendíamos no começo. — Ele andou em direção ao lobo, que, assim como Tondra, parecia se comunicar com ele pela mente. Percebi pela maneira como eles se olhavam. — Mas somos mais parecidos do que sabíamos na época.

A superfície do príncipe estava calma ao acariciar o lobo, embora eu tivesse a absoluta certeza de que seu interior explodiria a qualquer momento. Montoya enganava bem quando desejava.

O momento de paz não perdurou. O monstro de bonecas estourou a porta, fazendo lascas e pedaços voarem por toda a parte, e grunhiu, pronto para nos atacar. Em resposta, o lobo de Montoya rosnou e mostrou as presas, e o monstro de repente ficou paralisado no lugar. Parecia estar com medo do lobo gigante.

Afinal, eram apenas crianças.

Não é necessário matá-lo para vencê-lo...

A cena trazia sentido às palavras de Sorte. A cobiça falava do responsável por prendê-las ali, então a carta final certamente se relacionava com o Panzudo, não comigo ou Montoya.

— A-acha que pode convencê-lo a não atacá-las? — pedi a Montoya, que me encarou como se eu fosse louca. — Queria tentar uma coisa.

Niña, essas crianças estão carregadas de ódio, dar vantagem a elas não é a melhor ideia — reforçou, apontando na direção do monstro. Era visivelmente assustador, ele tinha razão, no entanto, as pernas trêmulas e a forma como os olhos evitavam o lobo, não faziam aquela criatura mais que um bando de crianças com medo.

— Confie em mim dessa vez. — Supliquei com o olhar e ele, após um longo momento de hesitação, se voltou para o lobo, que imediatamente relaxou e parou de rosnar para o monstro.

Desastradamente, corri até o meio da relva e prendi a espada à alça da minha mochila, então comecei a procurar por cravos-de-defunto.

Há tantos deles, não é possível que não vou encontrar nenhum por aqui.

Eu remexia a folhagem, me enervando enquanto o tempo passava, mas não havia um único tom de laranja em meio ao amarelo seco.

Então, minha nuca começou a queimar ligeiramente e uma voz falou comigo.

O colar, Eva. Concentre-se no colar, a voz serena de Lily Rose sussurrou em minha mente.

Seguindo o seu comando, toquei o pingente do lírio e da rosa na ponta do colar. Uma luz rosada começou a cintilar e aumentar. A magia que o colar propagou foi espantosa nos segundos seguintes. Cada parte da relva foi substituída por flores, que desandaram a desabrochar por todo o campo. Cravos-de-defunto cobrindo o amarelo com o alaranjado esperançoso.

Despertei do meu breve fascínio e comecei a colher as flores e remanejá-las em um arranjo.

— Eva! — Escutei Montoya gritar e o vi correr em minha direção.

Señorita Eva, use a espada! — Paco não olhava para mim, e sim para o que estava atrás de mim.

O monstro havia se esgueirado e estava a ponto de me atacar. Propagava um chiado agressivo e o que parecia ser um braço feito de braços e cabeças estava pronto para me acertar. Ignorei a criatura e foquei em terminar o que havia começado.

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