6. Amigos ou inimigos?

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Montoya

Passado algum tempo, ela se acalmou em meus braços, porque voltou a abrir a boca:

— Um guardião é como um caçador? — disse, e a vi proteger os olhos com as mãos. Entre todas as coisas que poderia perguntar, não esperava que estivesse curiosa sobre algo tão desimportante em sua situação.

— Um guardião e um caçador são, por essência, o mesmo. Ambos destinados a pagar por um pecado. Um guardião é alguém responsável por uma área particular, enquanto um caçador não tem rumo e pode ser responsável por proteger qualquer lugar ou cuidar de eventuais casualidades — Era bem mais do que aquilo, mas, para ela, seria um bom resumo.

Pensei em Lua, que era encarregada de receber crianças e cuidar del Templo de la Luna — que é conhecido por Templo del Lobo por ser o lugar onde Fenrir cochila —, Tom, responsável por receber guerreiros, geralmente policiais, mulheres grávidas que morreram no parto, mães, como também controlar os pássaros mágicos desse mundo e sua função de espalhar segredos e mensagens; e Uriah, que recebia todos aqueles que morriam afogados ou falecidos em razão de doenças envolvendo a água, embora o grupo de hoje parecesse ter sofrido bem mais que um afogamento. Eram caçadores fixos, quase guardiões.

— E o senhor Ajal é um caçador ou um guardião?

— O senhor Ajal é o mais forte de todos! Ele já guiou exércitos, serviu em batalhas celestiais e enfrentou o próprio Tempo — Paco proclamou, exaltando o velho como se fosse um herói de guerra. Era tudo verdade, contudo, não sei se realmente ele merecia tanto apreço. Ajal enfrentou o Tempo, fracassou e se conformou. Fraco, assim como eu.

— Ajal é um protetor. Em tese, ele tem a mesma função que nós, mas usufrui de uma liberdade maior, já que está aqui por opção própria. Por exemplo, diferentemente de nós, ele pode ir e vir quando bem entende — acrescentei, deslizando minhas mãos entre a base da curva de suas costas e as traseiras dos joelhos, permitindo que ela se confortasse melhor em meus braços. Não que eu acreditasse que tenha ajudado tanto, visto que eu escutava perfeitamente o acelerar brusco de seu coração e eu queria muito provocá-la por conta disso, porém, se eu não me acostumasse com o efeito que ela possuía sobre mim logo, futuramente eu fracassaria mais uma vez.

Mapeei seus traços por um momento com o novo ângulo que obtive de Eva. O cabelo preto, suavemente emaranhado em ondas, brilhava com as luzes que escapavam do céu do crepúsculo. E os olhos escuros, delicadamente realçados pelo rosto em formato de coração, duas esferas de sombras e curiosidade, expressivos e inocentes, rememoravam nela a semelhança com uma das damas que atuavam em minha corte, não fosse pela teimosia tempestuosa que demonstrava; nenhuma mulher ou homem jamais me contestavam, ou desafiavam como Eva fazia. Constantemente.

Quanto mais eu olhava, mais eu emergia profundamente em seu mar transparente de emoções. Me afogaria tentando descobrir o seu passado, e a água corrente e os ventos suaves não seriam comparações páreas, porque, embora carregassem dúvida, também espelhavam uma escuridão tranquila e confiável; olhos gentis que se iluminavam com facilidade, não afiados como o de quem desconfiei que ela poderia ser. Não acreditei que ela precisasse de um herói para protegê-la, como as outras enviadas, mas quem sabe um amigo?

Eu conseguia nos ver como amigos? Conversando sobre experiências de vida e gostos particulares? Talvez. Se ao menos eu tivesse a resposta que precisava.

Ao mesmo tempo, não. Ela podia ser o inimigo, podia ser uma mestra da enganação. Bem, seria uma das minhas missões conhecer melhor o inimigo então.

Quem era ela? Essa pergunta se repetia vezes demais e minha dúvida talvez estivesse inquestionável em minha face, já que seu olhar fugiu do meu.

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