12. Furacão peludo

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Paco

Não me deixe aqui sozinha.

Helena pedia sempre que eu viajava para longe. Ela ficava com medo que fosse a última vez que nos veríamos, como quando você pensa que aquela vez não será a última, mas que logo se verão novamente, porém isso não volta a acontecer. Escondia entre suas palavras: não me deixe existir em um mundo onde você não existe. Sempre me senti querido por isso. Por alguém que não fosse da minha família se importar tanto. Eu sabia, claro, que eu era feio demais para que Helena pudesse ter sentimentos por mim que fossem maiores que um amor de irmão, então guardei no fundo do meu coração o que gostaria de ter dito. Bons tempos quando ambos estávamos vivos. Queria ter tido mais tempo de ter feito tudo diferente.

Continuando a história: admirável, mas assustador, era como eu teria definido a visão do Templo de la Luna de noite. Super mórbido no lado de fora, com o reflexo das luzes roxas sobre sua estrutura cristalina e ruídos de animais noturnos. Por Santa Muerte, eu não estranharia se fosse também o lar de algum Sisimito com aquela aura sinistra.

Eu devia ter agido com cautela quando perguntei a Uriah, que foi designado como meu guia e tutor em tempo integral pela Lua, se eles tinham tequila. Bebemos doze garrafas e nada do caçador ficar embriagado. Cantamos, ele tocou gaita, contamos histórias e nada. Ao que me parecia, o álcool não nos afetava mais com a mesma intensidade. Foi apenas na metade da décima quinta garrafa que o caçador grandão se sentiu sonolento e prometeu continuar o tour amanhã. Eu parei de beber na quarta garrafa e ele nem notou, porque estava super entretido bebendo e falando sobre como gostava de visitar El Mundo de Los Vivos no Dia de Los Muertos e visitar a família — Uriah era um dos poucos que tinha permissão em El Paso.

As suas memórias mais bonitas eram sobre as aventuras que viveu ao lado do seu melhor amigo de infância, Chico, um jovem que não tinha os movimentos das pernas, então Uriah o carregava num carrinho com duas rodas para todo o lado. Mas não foi muito esperto da minha parte pedir que ele contasse sobre a sua morte, ele narrou por duas horas sobre como morreu na mira de um touro que iria acertar a filha do prefeito e foi enganado por um caçador da morte que o fez desistir. Parecia mentira, visto que ele se perdia na narrativa e corrigia os detalhes. Não contestei, senão Íamos passar a noite toda ali. A minha sorte foi que o álcool finalmente fez efeito.

Lua não me flagraria, já que cuidava das crianças e eles tinham toque de recolher, o que ocupava demais as mãos dela, e Uriah estava apagado da bebedeira, logo, só restou um empecilho, que aparentemente estava em lugar nenhum do templo.

Infelizmente, no instante em que cruzei o portal, uma voz grave e indiferente me abordou: — Se fugir para as horas escuras como um fracassado, vai ser amaldiçoado, atacado ou morto como um fracassado — Tom, sem tirar os olhos do livro em mãos, comunicou ao sair por trás de uma das árvores. Por pouco não infartei, fora que, meu primeiro impulso não foi ser corajoso, foi gritar como uma criança indefesa.

— Como soube que eu ia fugir? — Me apoiei contra uma árvore, senão minhas pernas moles me derrubariam.

— Um passarinho me contou — disse, vindo em minha direção. Seu tom neutro me impedia de entender se ele falava a sério ou não.

— Vai tentar me impedir? — Mantive-me parado no mesmo lugar. De frente, vi que seus olhos pesados eram azuis-escuros e ele era mais alto que eu, mesmo sendo mais baixo que Uriah. Aquilo significava que eu deveria parecer um inseto em comparação a eles.

Tom levantou uma sobrancelha desdenhosamente e negou com um movimento da cabeça.

— Não. — Indiferença inquestionável na voz. Ele abriu passagem ao se afastar e voltou seu foco ao livro. — O que você escolhe não me diz respeito.

O Guardião dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora