15. O despertar de Tondra

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Outro dia chegava ao fim. As centelhas violetas enxotaram os últimos contornos de laranja na  abóbada celeste, anunciando o regresso das horas escuras, mas, pela primeira vez desde que cheguei no Mundo de Los Muertos, o entardecer estava borrado por conta de uma chuva incontida e pesada. Chovia muito forte.

Gotas de chuva salpicaram sobre o meu cabelo e desceram pela minha testa, fazendo a roupa encharcada grudar no corpo, e as minhas meias pinicarem. Apesar do frio, não me incomodava o bastante para reagir, minha mente estava perdida demais para se importar com algo tão pequeno como água do céu. Nem os trovões carregados surrando a terra abaixo de nós conseguiam me assustar.

Desde que deixamos o templo para trás, a única coisa que eu havia dito a Tondra eram as coordenadas para o tal castelo, de acordo com o mapa que havia recebido.

Assim que atravessei o portal, senti que eles ainda me julgavam — os gigantes —, tal qual se eu fosse tonta, como se não visse o quão séria era a situação, e era melhor assim, que me subestimassem, porque eu sabia que enquanto outros se espantariam e cegariam com tudo aquilo, a minha habilidade de raciocinar nunca me falharia. Eu podia contar comigo mesma para solucionar os desafios e voltar para casa, sempre pude.

Trovejou uma. Duas. Quatro vezes seguidas. Barulhento e explosivo. O ar cada vez mais pesado.

— Você quem está causando isso, Tronda? — deduzi, afinal ele era um pássaro-do-trovão.

Não, é você, Eva... As suas emoções se refletem nas minhas.

— Eu? — indaguei, com a voz indignada e defensiva.

Imediatamente, outro trovão explodiu.

Conte-me o que preocupa seu coração.

Por conta do barulho, pensei que tivesse imaginado a voz de Tondra, contudo, ao buscar seu olhar, notei que estava fixo em mim e aguardava uma resposta.

— Nada além do que você já sabe: quero terminar tudo isso logo e voltar para o meu irmão. — Nem me reconheci na seriedade do tom que saiu da minha boca.

Tem a certeza?

Abri a boca para responder novamente, mas nenhuma palavra saiu. Minha voz iria me trair se eu fizesse, havia se tornado esganiçada em segundos, presa na garganta. Cerrei os lábios e confirmei com um simples aceno, sempre olhando para a frente, sempre evitando seus olhos.

Ele me usou.

E L E M E U S O U.

Mais um trovão, mais forte que os outros.

Ar.

Eu precisava de ar. Eu não conseguia respirar, era como se as paredes dos meus pulmões estivessem sendo comprimidas até que nada passasse por ali. Se gritasse iria chorar. Meu coração lastimava, desconsolado. Uma marionete usada era o que era. Tão ridícula e tonta e idiota por ter confiado que ele queria me ajudar. Era óbvio que tudo que fazia era por Rosella, ele amava a ela, por que não o faria?

Mais estalos brutais e flashes de luz no horizonte.

Eu me sentia tão burra por, apesar de tudo, ainda querer ajudá-lo e acreditar que nem tudo foi fingimento. Mas por que seria real? Eu era um empecilho em seu caminho... E ele me escondeu a verdade, sempre soube a razão de eu estar aqui. Outro item para a lista de coisas que não sentiria falta. Não. Não faria uma lista. Absolutamente nada me faria falta.

A chuva engrossou. Tanto que se mesclava com as lágrimas que desciam, uma coisa se tornando a outra, eu me misturando com a chuva. A chuva abafando o meu choro. O choro aumentando a tempestade.

O Guardião dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora