10. O bando da Lua e La Sihuanaba

120 27 4
                                    

Paco

É difícil fazer a coisa errada, pior ainda quando você nem está acostumado.

Eu menti ao Señor Montoya quando disse precisar descansar e, para significativamente piorar a situação, estava vagueando pelos arredores da torre dele sabendo que me mataria sem dó nem piedade se me encontrasse ali.

Já era tão impossível fazê-lo confiar em mim! A cada duas coisas boas que eu fiz, três ruins em seguida. Primeiro reparei que o fardamento do Señor Montoya lembrava um pouco ao do rei Maximiliano e tentei me vestir igual, pensando que o deixaria feliz. Péssima ideia! Aí imaginei que cozinhar o deixaria feliz, então descobri sem demora ser outra péssima ideia entrar na cozinha dele sem permissão. Pelo menos deixá-lo à vontade com a señorita Eva o faria feliz.

Eu achava.

Ele não sabia ainda, embora o Señor Ajal soubesse desde o primeiro momento.

Não é que a tristeza dele irá sumir completamente, Paco, é que a luz da Eva brilhará tão forte que será inevitável escapar da alegria que ela traz. Se mesmo vivo o Montoya se considera morto, então ajude-o a pensar nela como o Sol, iluminando a vida que ainda há nele.

Foi o pedido que o Señor Ajal fez antes de sequer conhecer a Señorita Eva. Essa era a minha segunda tarefa da missão que me foi dada, a primeira eu concretizei no momento em que encontrei a Señorita Eva. Eu deveria ajudar o príncipe a descobrir seus sentimentos, ainda que eu tenha começado muito mal o meu plano de provocar ciúmes no Señor Montoya ao elogiar tantas vezes a Señorita Eva.

Você não está morto, Señor Montoya. Eu queria ter dito isso quando falamos mais cedo, pena que minha covardia roubou minhas palavras.

De qualquer maneira, que La Santa Muerte me protegesse, porque mentir para o Guardião dos Mortos era mil vezes pior que qualquer outro dos meus pecados atuais, e que mi dulce mamá me perdoasse pela mentira, mesmo tendo ensinado a nunca mentir, mas eu precisava escutá-la.

Mi diosa Helena, há quanto tempo que não a via ou ouvia. E bem diziam os boatos que, do alto da torre do Guardião dos Mortos, a melodia distorcida dela podia ser ouvida, se prestasse atenção e não caísse em sua tentação, conseguiria acompanhar até o fim o pedido de socorro escondido na canção da dama do violino.

Crescemos juntos na Tierra Caliente, eu um aventureiro, e ela uma violinista. Helena era uma órfã criada pelas freiras do convento local, mas, apesar disso, era muito solitária. Nos tornamos amigos rapidamente quando passei a realizar serviços para as irmãs, como marcenaria e consertos. Nossa amizade se fortificou de verdade quando eu perdi mi mamá, ela foi uma das vítimas da epidemia de cocoliztli. Minha irmã Lúcia era muito pequena na época e meu pai não era um homem presente, então poderia dizer que eu e Helena crescemos nos criando e também criando Lúcia, inclusive, quando ela adoeceu, Helena jamais saiu de seu lado. Ela era esse tipo de ser humano, sempre doando partes de si, sem nunca pedir nada em troca. Desejosa de dar a todos um amor que nunca recebeu.

Enquanto estive vivo, ela encheu minha vida com suas cores e melodias, levando tudo embora quando partiu em sua morte. Helena morreu bem antes de mim, aos vinte e um anos, vítima de um assassinato cruel que se tornou lenda em nosso vilarejo.

GIGANTESCA foi a minha felicidade ao descobrir que o meu grande amor estava em El Mundo de Los Muertos na noite em que cheguei. E eu, tão egoísta, imaginei ter finalmente a chance de contar sobre os sentimentos secretos que carregava por ela. Honestamente, descobrir no que El Mundo de Los Muertos a transformou, partiu ainda mais o meu coração.

O Guardião dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora