19. Os espinhos de Rosella

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Foi Rosella. Foi ela quem me trouxe antes da hora. — Ela apertou os dedos sobre o colo, aparentando incerteza.

Rosella, a Princesa da Morte, aquela que foi condenada pelo pai a vagar na terra longe de seu amado. Se havia outra pessoa a quem eu desejava saber o outro lado da história, essa pessoa era ela. Definitivamente não me parecia tão inocente assim, talvez até fosse tão vilã quanto ele.

— Como você... morreu, Lily? — Temi que essa pergunta a distanciasse novamente. — Como veio parar neste mundo?

Ela comprimiu os lábios, pensativa.

— Tudo bem se não quiser falar sobre isso, Lily — menti. Eu queria muito que ela confirmasse a minha suspeita.

Quero... E eu vou... — Ela respirou fundo e continuou: — Nunca contei isso a alguém antes. Fiquei com medo que... estivesse quebrando as regras dela.

Lily estava presa dentro de um espelho, mas, mesmo assim, eu consegui ver o pavor em seu olhar. Como se existisse algo pior que enfurecer o Tempo.

A minha história é simples. Eu era filha única de um duque, duquesa de Aguirre. Eu tinha tudo do melhor, mas isso não era suficiente, porque eu era muito sozinha. Meu pai não era um homem bom. Todos o temiam e evitavam estar próximos a mim — serenamente, ela narrava como se experimentasse tudo novamente. — Até que um dia conheci Rosella.

Curioso como os problemas de todos sempre aconteciam a partir do momento que conheciam Rosella. Montoya. Lily. Eu.

Era uma jovem muito bonita e peculiar, não sei explicar, não havia garotas como ela. Rosella veio trabalhar para o meu pai como aia em sua corte. Era muito esperta e culta, sabia um monte de coisas. — Vi um vestígio de sorriso contornar a boca dela. — Contudo, ela tinha um segredo: o pai dela a havia proibido de ficar com seu amante... Ela estava procurando soluções.

Eu escutava a história, oscilando entre julgamento e pena.

Tudo o que eu queria... tudo o que eu sempre quis foi ter uma amiga. E Rosella me disse que seria minha amiga e que... que se eu aceitasse meu fim mais cedo, eu iria para um mundo onde teria um monte de amigos e seria uma princesa. Eu só tinha de deixá-la me levar e seríamos amigas para sempre. Tinha de fazer como ela pediu: aceitar o desafio. — Então Lily fechou os olhos e parou de falar. — Não preciso dizer mais do que isso. Ela me enganou e acabei virando uma caçadora da morte. Os guardiões do Templo del Pasado não me deram nenhuma oportunidade e fiquei vagando por aqui. Conheci Montoya pessoalmente, que me ajudou muito, ainda que eu não tenha lhe contado sobre Rosella. Ele me apresentou a outros caçadores, como Uriah, Tom e Lua... e, por fim, aconteceu o incidente com as crianças e me prenderam aqui.

— Sinto muito, Lily. — E sentia mesmo. Sua história era carregada de injustiça e havia aberto ainda mais os meus olhos. Não somente o Tempo era um grande vilão, como também Rosella.

E ela era como eu. Falhou no desafio dos Panzudos e teve que pagar se tornando um deles. Uma criança! Eles fizeram isso com uma criança... Tive de me controlar para não gritar de indignação.

Você está ferida, mesmo sua mão está se deteriorando por causa do veneno de um espinho. Os espinhos do jardim de Rosella fazem isso. — Seu olhar desviou até a minha mão, cujas feridas inchadas liberaram um pus amarelado. Por ter mantido meu foco na busca e depois nas histórias da duquesa, eu não havia notado que minha mão estava mesmo piorando após o acidente, porém, não me admirava que os espinhos fossem de Rosella, nem um pouco. — E é minha culpa. Não sinta pena, eu provavelmente mereço estar aqui.

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