14. Agora ou Nunca

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Depois do nosso impasse, Sorte e Destino me guiaram até um banco de pedra no meio do ostensivo salão e partiram pela entrada de onde vieram.

O teto de vidro permitia a entrada da luz violácea, que iluminava todo o ambiente e criava uma esfera sombria e caótica. Os tronos de ouro eram mais simples do que pareciam de onde eu os enxerguei inicialmente, com cada assento forrado por veludo azul royal e braços com mensagens talhadas, contudo, a iluminação fraca dificultava a minha tentativa de ler o que estava escrito.

Os passos de Sorte e Destino ficaram cada vez mais afastados, menos sonoros, até sobrar a quietude como minha companhia. Tudo silenciou por um tempo e só se ouvia a minha respiração.

Então, passos novamente irromperam no corredor, e depois um eco que se expandiu por todo o salão, falou comigo:

Se-ja bem-vinda ao Tem-plo del Pa-sado, E-va Fuen-tes... O lo-cal onde... repou-sam os gigan-tes pre-sos pe-lo... Tem-po — A voz grave e a respiração pesada soavam como um lamento perto do meu ouvido.

— Que-quem está aí? — Olhei rápido para os dois lados, virei a cabeça para trás e vasculhei todos os cantos do salão, mas não vi ninguém. Nervosismo agitou meus sentidos.

E-va... E-va... — Mais ecos de timbres distintos ecoaram em uníssono. 

Umidade começou a acumular em meus tornozelos. Rumei o olhar para baixo e notei que uma névoa espessa e roxa se alastrava, encobrindo cada canto do salão. A temperatura também estava abaixando, me obrigando a me abraçar por conta do frio.

Quando já não se enxergava muito, seis silhuetas finas começaram a me rondar. Embora seu contorno não fosse fixo, moldavam-se conforme a névoa cessava. Logo as formas ganharam curvas, rostos e corpos sólidos.

Sem maior delonga, um homem se revelou no trono do meio. Não exatamente um homem. Verdade seja dita, não sei bem o que ele era.

Seus olhos eram fundos, como se estivesse muito cansado, e as íris eram de um estranho amarelo-deserto. Veias salientes e douradas riscavam as laterais do rosto oval e magro. A boca pequena e fina e o nariz grande e pontudo eram desproporcionais, e ele não tinha sobrancelhas, mas nada daquilo era mais singular que o cabelo feito de névoa e o tórax tão fino que parecia se dobrar com o vento. Uma túnica preta e longa com velas presas na bainha dourada cobria seu corpo monumental que deveria ter quase três metros, as pernas longas mal se encaixavam no trono.

— Eu sou... o Pas-sado. Ele curvou ligeiramente a cabeça ao se apresentar e eu fiz o mesmo. — Não te-nha medo... criança. 

— Obrigada por me receber — articulei com a voz baixa. Eu afundava os dedos nos braços, não sentia apenas frio na presença do gigante.  

Um a um, os demais presentes se personificaram por completo, dizendo seus nomes em voz alta. Sentados nos seis tronos estavam a Justiça, a Discórdia, a Dor, o Passado, o Agora e o Nunca. Um mais disforme que o outro.

Está atrasada... — reclamou a Dor, com uma voz mais firme e inteligível que o Passado. Murmurei um pedido de desculpas.

Não acredito que me atrasei até para me encontrar com entidades imortais...

A cada cinquenta anos, Rosella nos envia uma jovem que ela acredita ser apta a desempenhar sua função como Princesa da Morte — ela elucidou.

Seus traços lembravam o de uma mulher de pele escura, com olhos completamente pretos e lábios secos e acinzentados. O cabelo era crespo, grisalho, e pendia alto em dois chifres. Um manto rosa folgado cobria o que eu acreditava ser seu corpo, ainda que não conseguisse enxergar nada do quadril para baixo. Luvas brancas protegiam suas mãos e havia velas e flores mortas no chão ao seu redor.

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