17. Sonhos roubados

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Acertei sobre a existência do odor fétido, mas nunca quis tanto estar enganada, o cheiro era tão forte que se impregnou na minha pele.

Nada de bom sairia dali. Era nessas horas que eu pensava o quanto eu não dava valor para a minha vida moderadamente entediante. Nenhum de nós realmente valorizava o mínimo até se encontrar entrando num castelo assombrado. E aí a vida encontra essas formas incomuns de te ensinar uma lição: às vezes com uma bronca do seu chefe por chegar atrasado, às vezes te arrastando para outro mundo.

Antes, se alguém tivesse me dito que eu entraria em um lugar desses por livre e espontânea vontade, eu teria negado sem pensar duas vezes e alegaria insanidade por parte da pessoa. Como esses dias pareciam distantes naquele momento...

Quase me arrastei escadaria acima, visto que meu corpo ainda não colaborava. A adrenalina que salvou minha vida havia passado, mas os ferimentos não, e por não ter tido chance de me recuperar, estava morrendo de vontade de ceder ao esgotamento físico.

Eu cuspia o sangue a cada vez que se acumulava na minha boca, principalmente porque sempre respingava na roupa, como se eu fosse um cachorro babando. Também, se existisse outro chupacabra ali, minha vida não teria a mesma sorte, já que os passos mancos que eu dava revelariam facilmente a minha localização.

A Princesa da Morte devia estar sob efeito de alguma droga quando julgou que escolher a mim para ocupar o lugar dela foi uma ótima decisão.

De qualquer maneira, por causa do tamanho exageradamente anormal do castelo, eu me perdi nos primeiros vinte minutos tentando seguir o som, porque, embora a escadaria fosse única, suportava várias portinhas espalhadas em cada curva.

Subi cada degrau como se pedras estivessem presas aos meus tornozelos. Passos pesados, cansados, doloridos e fedidos. O que eu não daria por um banho quente e perfumado? Os filmes eram mesmo muito irrealistas ao mostrar personagens com tanta resistência e disposição, claramente eu havia nascido para ser uma figurante.

De vez em quando, eu tinha a ideia ocasional de que tudo de ruim que estava me acontecendo era porque não atravessei a esquina antes da canção acabar, naquela noite que ia ao cemitério.

Logo que cheguei na primeira curvatura, contemplei uma porta de arcada oval que desembocava num corredor longo e escuro. O som não vinha dali, no entanto, alguma coisa brilhava no fundo, chamando minha atenção.

Candeeiros na parede do corredor se acenderam assim que coloquei o pé dentro, o que me fez emitir um gemido desafinado de susto, mas me possibilitou enxergar seis divisórias de vidro enfileiradas, cobertas por cortinas vermelhas de veludo e distribuídas como se estivessem em um museu.

Mordi o interior da bochecha, sentindo as mãos ficarem suadas, e suspirei profundamente antes de seguir a péssima ideia de entrar ali. Conforme cruzei o corredor, distingui melhor que o brilho originava de uma placa de bronze pregada na parede. Me aproximei para ver o que estava escrito, ainda que o calafrio em minha nuca soasse como um aviso para voltar.

Ali se lia: Madres de Morte, Vida, Sorte, Justiça, Dor, Discórdia, y Esperança.

Me perguntei o que aquilo queria dizer. Aquele mundo era cheio de ambiguidade, não dava para confiar no sentido literal e deduzir que falava sobre mamás de verdade.

Crrrriiic...

Um som enferrujado extirpou o silêncio do corredor, arrepiando os pelos do meu braço.

Rapidamente, minha mão suada escorregou para o cabo da espada atada em uma das alças da mochila. Fiz uma careta, havia me esquecido do ferimento que estava no meu palmo. E não, meu plano não consistia em desferir um golpe com a espada, feito uma guerreira. A voz primitiva na minha mente ordenou que eu atirasse a espada como distração e fugisse.

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