Os dois ficaram parados no meio do quarto, em puro silêncio. Sherlock encarava o chão, enquanto John balançava levemente o corpo e observava os objetos do ambiente.
-Quarto legal. - disse o loiro, quebrando o silêncio.
-Obrigado, está um pouco zoneado...
-Eu também sempre tive quartos assim, não se preocupe.
Sherlock sorriu, aliviado. Era impressionante a capacidade que o outro tinha em lhe acalmar.
-Eu vou me arrumar para dormir, já volto. Vou tomar uma ducha. - anunciou o loiro.
-Certo, prometo não invadir o banheiro dessa vez. - disse o jovem, rindo.
O rosto de John corou, e Sherlock se deu conta da piada que fez. Em sua cabeça, ela era bem mais engraçada e nem um pouco constrangedora. Watson deu um sorriso, ainda com o rosto vermelho, e saiu do quarto. O moreno se xingou e sentou em sua cama, sem saber o que fazer. Será que ele ficava parado esperando o hóspede voltar? Será que lia algum livro? Ou já deitava e dormia?
Além dessas perguntas, novas dúvidas encheram a mente do jovem. E se ele falasse enquanto dormisse? Ou babasse? Ou caísse da cama? E se na hora dele levantar da cama, pisasse sem querer em John, já que o colchão estava do lado da sua cama? Tudo de errado poderia acontecer naquela noite.
Antes que pudesse surtar de vez, John entrou no quarto. Ele usava um short de moletom e blusa de alça velhos como pijama. Era a primeira vez que Sherlock via o outro sem um casaco ou moletom, e não teve como evitar de admirar a vista.
-Tudo bem? - perguntou John.
-Tudo perfeitamente bem. - disse, sorrindo.
John sorriu também e sentou em seu colchão, de forma que eles estavam um de frente ao outro, mesmo que Sherlock estivesse mais alto enquanto o outro estava no nível do chão.
-Sei que combinamos de não pedir mais desculpas, mas sinto muito por você ter que dividir seu quarto. - disse Watson.
-A culpa não é sua. Mycroft que, como sempre, é um inconveniente. E de qualquer maneira, eu prefiro dividir meu quarto com você do que com aquele chato.
-Eu também prefiro a ideia de dividir o quarto com você do que com ele, ou até mesmo de dormir no sofá.
Sherlock abaixou a cabeça e começou a brincar com o lençol, numa tentativa de esconder seu sorriso.
-Essa história toda tem um lado bom, pelo menos. Podemos fazer uma festa do pijama, ou lago do tipo. Acho que estou velho demais para essas coisas, mas sempre gostei. - disse John, animado.
-Eu nunca fui em uma festa do pijama.
-O que? - perguntou, incrédulo.
-Qual parte do "eu não tenho amigos" você ainda não entendeu?
-Bom, mais um motivo para termos uma festa do pijama. Podemos pegar alguns lanches na cozinha, contar histórias de terror, ver algum filme, fazer uma guerra de travesseiros...
John teve sua fala interrompida pois, assim que mencionou a guerra de travesseiros, Sherlock jogou seu travesseiro na cara do outro.
-O que foi isso? - perguntou John, ainda sem reação por ter sido atingido.
-Guerra de travesseiros. - respondeu, dando de ombros.
A expressão de John imediatamente mudou. Um sorriso malicioso invadiu seu rosto e ele pegou um travesseiro em cada mão.
-John, não ouse.
-Você que começou. - disse, sorrindo.
Logo, uma guerra de travesseiros começou entre os dois. Sherlock, pela falta de prática e diferença de porte físico entre os dois, estava claramente perdendo.
-Socorro! - disse Sherlock, rindo e tentando fugir da cama.
Mas John foi mais rápido, o agarrou pela cintura e os dois caíram na cama do moreno.
-Renda-se. - disse John, o ameaçando com um travesseiro.
-Eu me rendo! - respondeu, sem ar de tanto rir.
Os dois riram por mais alguns minutos, até que conseguiram se acalmar. O cabelo de Sherlock estava uma zona por causa das pancadas de travesseiro que recebeu. John, ainda deitado ao seu lado, endireitou um cacho que estava caído em seu rosto. Sua mão colocou o cabelo atrás da orelha do outro, depois desceu de leve, acariciando a bochecha do moreno. Sherlock percebeu que seu hóspede não olhava nos olhos, e sim encarava seus lábios. Sherlock ia ousar se aproximar, mas de repente a expressão de Watson mudou. Seu rosto parecia cheio de culpa, e ele retirou sua mão e sentou. O jovem sentou também, de repente sentindo muito frio sem o toque do outro.
-Acho melhor a gente ir dormir, está tarde. - disse o hóspede.
-Você me prometeu uma festa do pijama. - disse Sherlock, dengoso.
John sorriu e mordeu os lábios, nervoso. Uma coisa que ele aprendera nesses últimos dias era que é impossível dizer não a Sherlock Holmes.
-Certo, eu vou buscar algo na cozinha para a gente e já volto. - disse, saindo do quarto.
Sherlock tentou aproveitar o tempo que o outro estava fora para colocar seus pensamentos em ordem, mas do jeito que estava confuso, precisaria de anos para arrumar seu palácio mental. Eles estavam tão perto... o que fizera John mudar de ideia? Será que ele via Sherlock realmente só como um amigo? Ou pior, apenas como o filho de seus anfitriões?
John voltou com um pote de sorvete e duas colheres. Eles sentaram lado a lado na cama, e por muito tempo comeram em silêncio. Sherlock de repente teve uma ideia do motivo do outro ter se afastado e começou um assunto:
-Eu não disse nada mais cedo, mas você não me assustou quando atacou meu irmão. Eu não fiquei com medo, e tenho certeza que nunca terei medo de você.
John comeu mais três colheradas de sorvete antes de responder:
-Você não tem como ter certeza. Se você soubesse a verdade...
-Que verdade?
John largou sua colher de sorvete e se ajeitou na cama.
-Você sabe que eu sou um médico militar, certo? Eu me formei em medicina, trabalhei por dois anos e depois me alistei. Fiz o concurso para médico militar e fui convocado para ir no Afeganistão.
O moreno assentiu, deixando o outro continuar:
-O que você não sabe é que, de início, eu fui um médico militar. Eu salvava vidas, perdia outras, mas estava exercendo medicina. Só que, depois de alguns meses, a situação foi ficando complicada. Muitos soldados estavam feridos, estavam tendo dificuldade de transferir mais para a nossa unidade, então tiveram a ideia de...
A mão de John começou a tremer. Sherlock percebeu e as segurou entre as suas, com força.
-Eles transformaram os médicos em soldados também. Fizemos exames e provas físicas durante o concurso, então éramos aptos. Acho que essa sempre foi a ideia, ter soldados reservas caso tudo desse errado. De repente, meu jaleco virou uma farda. Meus instrumentos médicos viraram armas. E, ao invés de salvar vidas, eu...
John virou o rosto de forma a encarar o moreno, que viu que o hóspede estava chorando.
-Eu tirava vidas. Essa é a verdade sobre mim, Sherlock. Eu matei pessoas. Eu sou um assassino.
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O Hóspede
أدب الهواةSherlock Holmes, jovem de 21 anos, ainda mora com os pais. Não por vontade própria, mas ser o único detetive consultor do mundo não garante uma renda fixa para sair de casa. Por isso, Sherlock conta os dias (e as moedas) para conseguir sua independê...