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O mestre se concentrou e o ar começou a faltar para Sigmund.

— Seus pulmões serão cheios, como se estivesse submergindo. É como se gritos liquefeitos os preenchessem e assumissem o lugar do ar que respira, lhe dando a sensação de afogamento.

Sigmund abriu os olhos, buscando ar desesperadamente.

— A melhor forma de combater esta sensação agonizante é com dor... assim forçamos contra o nó que fecha nossa garganta e soltamos um destes muitos gritos acumulados.

Ele tirou uma agulha do quíton, pondo abaixo da unha de seu indicador. Sigmund gritou e o peso dos pulmões aliviou levemente. Seus olhos avermelharam com o prazer espalhando-se pelo corpo.

— Mantenha-se concentrado. Mais uma vez e a mágica ocorrerá — disse Aldous, com tristeza no olhar, removendo a agulha devagar e fazendo o mesmo abaixo da unha do anelar.

Sigmund gritou mais alto, levantando a cabeça numa tentativa de tornar respirar uma tarefa mais fácil. Aldous observou o escarlate terminar de tomar seu púrpuro olhar.

— Olhe o céu, os arredores e me diga o que vê, criança!

Chuva... de sangue!? — questionou Sigmund, tocando seu rosto e confirmando que o líquido que escorria do céu era sangue.

O céu estava tomado pelo vermelho enegrecido do sangue escorrendo por todo lugar. O cheiro de ferro substituía outros odores.

Sigmund arregalou os olhos. Olhou para baixo e viu as pessoas sujas pelo sangue, caminhando sobre as poças acumulados.

Tomado de ira pela cena, o menino arfou, repetidamente. A poluição sonora foi substituída pelo som do esticar dos filetes de sangue e o choro cansado de uma mulher, bem distante.

O que é isto!? — questionou, pondo a mão em um dos filos.

— Isto é genocídio, minha criança!

Genocídio!? — pasmou Sigmund, sentindo uma lancinante dor se espalhando do ponto onde o filo o tocava para o resto do braço.

— Sim. Matar a vida que tudo sustenta é genocídio — respondeu Aldous, nitidamente satisfeito pela dor do rapaz. — As imundas almas que lá embaixo pisam são uma parcela dos responsáveis.

Sigmund engoliu seco, incapaz de tecer um comentário.

— Sofreu muito, garoto. Teve sua liberdade usurpada, vitimado por um homem controlador. Sobreviver com tanta lucidez é louvável!

Não... me sinto... lúcido! — disse, devagar, estasiado.

Aldous tirou o braço de Sigmund do contato com o sangue.

— Está, acredite! — riu, trêmulo. — Fui criado, primariamente, numa tentativa desesperada de sobreviver a abusos. Quando Esmond nos encontrou, estávamos tomados por Loucura.

O garoto fechou os olhos, tentando lidar com a dor que sentia.

— Desde aceitarmos sua ajuda até acordarmos com a lucidez reparada, temos dias de um borrão que nunca preenchemos. Esmond teve trabalho com a constante falta de controle. Naquele momento, éramos o canino atacando tudo. Mesmo hoje, vez ou outra, sou.

Gradualmente o rubro deixava o púrpuro olhar de Sigmund.

— A Loucura me tocava e alastrava para o mestre. Ele me levava aos cuidados da Grande Sacerdotisa... e o mestre voltava à escadaria. Ajoelhava-se a frente de seu filho mais fiel e esse empunhava uma lâmina contra seu pescoço. Ao primeiro sinal de fraqueza, o general julgaria executar, ou não — narrou, descendo o menino e sentando.

Algos - Livro α - 3ª EdiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora