2. A chegada

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ABRIL DE 1833,

SIMON CHEGA AO CONTINENTE.

Os gritos eram de medo, de dor e de desespero. Ele fora tirado do seu sono por aqueles gritos desesperados que o aterrorizavam, levantou-se correndo e saiu de casa com sua irmã pequena nos braços, Beatrice tinha menos de um ano e chorava desesperada. Simon a abandonou do lado de fora e tentou voltar para dentro de casa, mas já não havia tempo.

Uma viga do teto caiu quando ele chegava ao quarto dos pais e não houve chances de ele fazer nada mais, a última coisa que ouviu foi seu pai mandando-o salvar Beatrice.

E foi o que ele fez.

Simon acordou sobressaltado, mais uma vez, e viu que estava em um quarto apertado, quase bateu a cabeça na cama de cima da beliche em que dormia. Ele estava no navio, indo em direção ao continente, lembrou-se, e tudo estava bem.

Fora só mais um pesadelo. O pesadelo.

Homens acordavam suados e ofegantes, mas a maioria deles não tinha os motivos de Simon para isso, ele acordava assim por puro terror e não por desejo. Aquele pesadelo se repetia há quase dez anos na sua mente, sempre que ele estava agitado demais para dormir ou com medo de alguma coisa acontecer, e era horrível. Ele estava ansioso pelo início das suas aulas na Escola Real de Medicina e vinha tendo pesadelos todas as noites da última semana.

Sabendo que não voltaria a dormir depois daquilo, ele se levantou, acendeu uma vela na pequena cabine e se preparou para a chegada ao continente enquanto o sol começava a despontar no horizonte que só era preenchido por água e mais água. Simon tinha passado os últimos três dias confinado na cabine, com a companhia dos seus livros de Medicina e algumas visitas da criadagem para levar as refeições. Um misto de emoções o dominava conforme Simon saiu para o corredor e subiu para o convés, fazia alguns bons meses que ele não ia ao continente e estava ansioso para, enfim, poder iniciar seus estudos, sua vida adulta e sua independência.

Parado contra a amurada e observando a massa de terra se agigantar, Simon tentava tirar seus pensamentos do pesadelo e voltar para as coisas boas, mas não era possível, o choro de Beatrice ainda o aterrorizava e ele se lembrava dos gritos dos seus pais. Se ele tivesse sido mais rápido, se tivesse acordado antes de tudo aquilo acontecer, se... se... se... ele sabia que não adiantava se culpar, mas o que ele podia fazer? Se culpava da mesma forma.

Seus pais biológicos nunca foram ricos, eram arrendatários de um conde e viviam em uma casa humilde nas suas terras, mas nunca faltou nada para eles, principalmente amor e carinho. Depois daquela noite, Simon e Beatrice foram levados para o Orfanato da Srta. Dusk, onde passaram dois anos antes de serem encontrados e adotados por Alice e Joe Campbell, que os criavam como filhos de sangue e os amavam muito, mas Simon ainda assim sentia falta dos seus pais biológicos, ele revivia aquela maldita noite centenas de vezes e continuava se culpando por não ter sido mais rápido para salvá-los.

Ele ficou parado contra a amurada, fitando o continente cada vez mais próximo e o movimento no porto, que estava frenético, as pessoas corriam desesperadas de um lado para o outro e uns poucos paravam para trocar fofocas.

Simon desceu sem pressa com suas únicas duas malas em mãos e saiu à procura de uma carruagem de aluguel para leva-lo até a pensão estudantil. As pessoas trocavam palavras desesperadas e receosas, corriam de um lado para o outro e todos pareciam muito preocupados com algo, o que o deixou curioso e preocupado, já que algo grande parecia estar acontecendo.

- O que será de nós agora? – uma senhora indagava a um homem. – O menino tem apenas dez anos.

- Dias difíceis se aproximam. – Outro homem dizia.

Os sintomas do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora