Mais uma tarde fria.
Meus pensamentos estavam frios. Eu me sentia frio.
Meu coração estava congelando.
O pensamento das noites passadas ainda me atormentava. Sangue. Água. Sujeira.
Mais uma vez meus pais brigavam enquanto a noite chegava. Ouvia minha irmã batendo a porta. Queria correr para abraça-la, mas meus pés congelados me impediam de fazer isso. Se eu o fizesse, muito provavelmente ela franziria a testa e sorriria sem graça, porque estaria ocupada demais fingindo para conseguir demonstrar a tristeza.
Desculpa, Em..., quero dizer, mas também me mantenho com os lábios congelados.
A insônia tem se tornado algo cada vez mais comum. Olheiras roxas têm crescido além do normal. E o máximo ao meu alcance que eu podia fazer era tomar um comprimido a seco e pegar um livro até finalmente cair no sono.
Ontem, desejei feliz aniversário de dois dias à minha insônia e o desejo de quando assoprei as velinhas do bolo de fato foram atendidas: eu consegui dormir, no entanto, depois do sonho que tive, preferi nunca ter fechado os olhos.
Três viaturas da polícia estacionaram em frente de casa. As sirenes ligadas e os policiais saltando dos carros com suas armas direcionadas pra casa. Luzes azuis e vermelhas refletindo nas casas ao redor. Eu olhava da janela, paralisado, o terror subindo pelas paredes, quando finalmente tocou meus pés e subiu por minhas pernas.
Eu olhei para trás, e antes mesmo de eu pensar em pular a janela, os policiais me pegaram, me jogando no chão e prendendo minhas mãos para trás na algema, o joelho de um deles pressionado tão forte contra o meu pulmão...
Acordei respirando com dificuldade. Olho para o relógio. Já é quase de manhã e o pesadelo que parecia ter durado poucos segundos havia durado a noite toda. É engraçado como os piores momentos da sua vida demoram pra passar mais do que os minutos que você espera sua comida ficar pronta quando esquentada no micro-ondas.
Todavia, agora que a noite passara e mais um dia estava pronto para me derrubar, eu queria que mais uma vez a noite chegasse, assim eu poderia desejar que o dia chegasse e depois desejaria a noite mais uma vez...
Preciso de um banho. Levanto e vou para o banheiro. Desanimado e cabisbaixo. Estou um caco. Insatisfeito. Eu queria a noite. A escuridão. A escuridão total. A escuridão do meu caixão.
Quando ligo o chuveiro e a água quente cai sobre minhas costas percebo o quão frio estava do lado de fora. Nada mal para o padrão de inverno de Gramado.
Termino o banho e volto para o quarto, a cabeça começando a latejar. Ainda de toalha, sento em frente à escrivaninha e abro meu notebook. A página de notícias carrega. Há várias notícias diferentes sobre o caso da morte de Jeniffer. Minhas mãos travam no mouse.
Meu coração se acelera e depois diminui a frequência de batimentos. Volta a bater rápido mais uma vez enquanto desço a página, vendo fotos e reportagens sobre ela.
Sinto a presença de alguém atrás de mim e me viro, Emily está parada na porta, primeiro me olhando nos olhos e depois encarando meu cabelo loiro, parecendo disfarçar. Ela parecia cansada. Analiso suas olheiras de canseira e estresse e seu cabelo mal arrumado num coque. Quando percebo, ela está com os olhos pregados na tela do computador.
Fecho o notebook tão desesperadamente que quase o quebro. Emily morde o lábio com tanta força que fico com medo que se machuque. Assim, em pé, ela parece bem maior e bem superior a mim, apesar de ter no máximo um metro e setenta. Sinto o peso de seus olhos castanhos sobre mim.
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Não olhe para trás
Mystery / ThrillerEmily Alencar passa por um grande trauma: sua melhor amiga, Jeniffer, fora estuprada e cruelmente assassinada logo após uma briga entre as duas. Os assassinos fugiram sem deixar rastros, mas parece que esse golpe deteriorou não só à Emily, mas toda...