Minha mente quase nem processava meu nome, mas quando meus olhos se deram conta de que as pessoas chegando eram meus pais, da viagem à praia, soube que eu tinha feito merda.
Ouvi primeiro as rodas esmagando os cascalhos da porta de entrada, depois a porta do carro batendo, e em seguida, um grito histérico da minha mãe.
Foi esse grito que fez meu coração saltar e todo o álcool que havia no meu corpo evaporar em questão de segundos.
Larissa. Lembrei meu nome. Larissa!
Ótima ideia, Larissa! Uma festa em plena terça-feira!
- O que aconteceu na minha casa? – ela entra na sala. Eu largo rapidamente a garrafa de Vodca em cima de uma mesa e me viro, vendo os dois chegarem.
Tenho dezessete anos, e, não, não deveria estar bebendo. A casa ficara sob minha responsabilidade e acabei me sentindo dona demais. Uma festa. UAU!
Os cabelos loiros da minha mãe estão caindo como cascatas sobre seus ombros, diferente dos meus, que, apesar de também loiros, estão amarrados como um ninho de pássaros no topo da cabeça que gira, gira, gira...
Meu pai, forte e de cabelos castanhos como os do meu irmão, não diz nada. Apenas coça a barba por fazer e gira a cabeça de um lado para o outro observando a sala que se encontrava num verdadeiro caos.
- Larissa? O que aconteceu aqui? – minha mãe se aproxima, de cenho franzido. Ela espera uma resposta, mas sei que se eu abrisse minha boca, falaria mais do que deveria, então viro a cabeça para trás e não respondo.
- Mirna, me diz o que aconteceu aqui, pelo amor de Deus! – Ela pergunta para a empregada que varria o chão. A mulher gorda e baixa se assusta, não sei se com o tom de voz da minha mãe exigindo uma explicação ou com medo que eu voasse em seu pescoço se ela dissesse a verdade.
Mirna me olha, me encarando para ver se eu já ia em sua direção com uma faca, entretanto, qualquer coisa que eu fizesse, minha mãe perceberia. Não havia jeito. Eu estava fodida.
- Olha, dona Beatriz, – a empregada começa, nervosa, segurando a vassoura com as duas mãos e revezando olhares entre mim e minha mãe. – eu não queria contar nada, não, mas dona Larissa deu uma festa aqui ontem. Teve de tudo!
- Linguaruda! – falo pela primeira vez desde que eles chegam.
- Espera. Uma festa? Larissa, a senhora deu uma festa aqui sem a minha autorização? Sem ao menos me avisar? Em plena terça-feira? Você perdeu o juízo? – minha mãe parece um vulcão prestes a entrar em erupção. Por enquanto, a lava está contida, borbulhando.
- Pô, mãe, foi só uma festa! – se fosse para brigar de qualquer forma, eu preferia rebater e usar meus argumentos.
- Só uma festa – ela se aproxima e me encara – Só uma festa. Só uma festa? Larissa, a casa está virada de cabeça para baixo. Temos homens aqui colocando os móveis no lugar e você diz que foi só uma festa? – o tom de voz começa a subir.
- Você nunca fez merda quando era adolescente, não? – não estou ligando, acho essa briga desnecessária e cansativa – Que saco, meu! Eles já tão arrumando tudo e daqui a pouco vocês vão poder voltar a fazer suas coisas normais de velho. – Rebato.
- Fiz muita coisa errada, sim, quando eu era adolescente, mas isso não incluía dar uma festa quando meus pais não estavam em casa! – ela franze o cenho de novo e se aproxima da minha boca. Respira fundo. – Espera aí, você bebeu, Larissa?
Viro o rosto. Sento no sofá, colocando uma almofada entre a perna.
- Você bebeu? – meu pai se intromete. O típico homem conservador de uma família!
- Mirna, me diz o que você viu ontem. Tudo. – Minha mãe pede. Ela se paralisa sobre a vassoura de novo e começa:
- Bom, dona Beatriz e seu Juliano, eu não vi muito, mas pelo que vi, eles fumavam, bebiam...
- Fumavam? – meu pai fecha os olhos e os esfrega – Larissa, eu luto pra dar tudo que você e seu irmão precisam e é assim que você retribui? Olha para essa casa. Ela não é nem metade do que a maioria dos seus amigos da escola um dia vão ter, você entendeu? – Ah, o discursinho meritocrático... Estava demorando!
- Pois é, seu Juliano – Mirna diz antes de voltar varrer o chão – Lembra que eu disse que eles fizeram de tudo? Até a cama de vocês foi alvo de dois jovens. Eles acabaram de sair.
- Minha cama? – minha mãe pergunta, esganiçada e corre até lá. Meu pai me encara enquanto ela não volta, sua expressão em clara demonstração do mais bonito "você me paga".
Um adolescente de barba mal feita, branco e gordo sai de um dos banheiros sem a calça. Diz alguma coisa que ninguém entendeu e deixa a casa, totalmente bêbado.
Minha mãe volta, com a cara séria e as mãos na cabeça.
- Minha cama foi totalmente bagunçada. Tem uma camisinha no lençol. Larissa... Eu não sei mais o que fazer com você.
- Só não fazer nada, mãe – levanto do sofá e ando em sua direção. Dou um beijo em sua testa, prendo um fio rebelde de seus cabelos atrás da orelha e sorrio – É só relevar, esperar e tudo isso vai acabar virando uma história engraçada no futuro.
Ela lança um olhar de dúvida para meu pai. Por um momento acho que ela realmente deseja relevar e esquecer que seu quarto foi feito de motel, porém, quando seu olhar se cruza com do meu pai, toda minha esperança vai embora.
- Me dê seu celular, Larissa. – Ele pede, se aproximando. Saio de perto da minha mãe e me viro para encara-lo.
- Pô, pai, qual é? Você acha que isso é castigo? Eu não sou mais criança. Não vou dar meu celular. – Cruzo os braços.
- Agora – ele pede, calmamente, fechando os olhos e respirando fundo.
- Ridículo – resmungo, e entrego meu celular.
- Quero ele desbloqueado. – Ele diz, mais uma vez, estendendo o celular na minha direção.
- Não! – Grito – Eu não vou colocar a senha. Isso é invasão de privacidade! –, o sangue fervente cozinhando meu cérebro.
- Coloca a senha e obedece a seu pai, Larissa – minha mão pede, pegando o celular da mão do meu pai e entregando-o para mim.
Por um momento de raiva e frustração, sem pensar no depois, preferindo ver meu celular destruído a ter meu pai mexendo nas minhas coisas, jogo o aparelho no chão e em seguida piso até toda a tela se estilhaçar. Depois o chuto para longe, que bate numa parede.
- Sem mesada por tempo indeterminado – Meu pai diz, sem alterar sua calma. Seu dom de não se estressar facilmente!
- Não posso ficar sem mesada! – me exalto, era demais – Pai, isso é ridículo. Vocês estão agindo como se eu tivesse roubado uma loja! Eu só dei uma festa! – eu estava gritando mais uma vez.
- Não estou fazendo isso por você ter dado a porcaria da festa aqui, Larissa. Estou fazendo isso porque você nos desobedeceu e agiu por nossas costas. – Ele se vira em direção ao quarto – Agora, tenho que ir. Daqui a pouco tenho uma reunião e não posso me atrasar. – Ele beija a testa da minha mãe que me encara, enlouquecida.
- Você vai se arrepender de estar fazendo isso comigo! – eu grito pra ele, enquanto caminha em direção ao quarto.
Minha mãe se aproxima e segura meu pulso com firmeza, e sussurra, para que só eu escutasse.
- Não ameace o seu pai.
- Não estou ameaçando. – Minto. A respiração devagar e o ódio fervilhando com uma dose de vingança por toda a estrutura do meu corpo. Desvencilho-me de sua mão e caminho em direção ao meu quarto. – Eu não estou ameaçando meu pai. – Sussurro por fim.
Bato a porta do quarto. Era impossível conviver naquele lugar, sempre vivendo sob os limites rígidos da realeza do rei Juliano. Sempre cobrada sobre ser feminina, sobre ir bem na escola, sobre ser exemplo, sobre ser o melhor troféu que eles exibem nos leilões que eles frequentam. Eu não aguentava mais, aquilo era a gota d'água.
Mas não.
Eu não estou ameaçando meu papai.
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Não olhe para trás
Tajemnica / ThrillerEmily Alencar passa por um grande trauma: sua melhor amiga, Jeniffer, fora estuprada e cruelmente assassinada logo após uma briga entre as duas. Os assassinos fugiram sem deixar rastros, mas parece que esse golpe deteriorou não só à Emily, mas toda...