VICTORIAN

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O jantar está servido. Apesar de eu, Randy e Emily estarmos a menos de um metro de distância, é como se estivéssemos em cômodos separados. Em um silêncio constrangedor, ninguém realmente come. Balançamos os talheres e reviramos as cenouras salteadas com indigestão.

- Está tudo bem, mãe? – pergunta Randy, com a voz baixa, sem olhar para mim.

Olho para Emily, surpresa.

- Sim, estou bem e você? Está bem? – pergunto.

- Que bom que perguntou – ele responde com a voz moída, quase como se ele estivesse sem força nos lábios. Sei o que ele quer. Sei o que está fazendo.

- Não, não vou cair no seu joguinho outra vez, hoje não – limpo a boca no guardanapo e viro o filé de frango de posição.

- Achei que quisesse explicar pra gente os seus motivos – ele diz – Meu pai conversou com a gente hoje.

Fico surpresa. Na verdade, esperava que Ricardo não voltasse tão cedo. O que ele teria dito?

- Uau. Por que ia querer ouvir meus motivos só pra eu te ouvir me desprezar e julgar todas as minhas escolhas? – contraio o lábio e ele me olha.

- Julgar? – ele parece revoltado. Sob a baixa luz amarela, seus olhos parecem ainda mais fundos – Eu nunca te julguei.

- Randy – Emily o chama, colocando a mão em seu braço, mas ele o puxa para debaixo da mesa.

- Ah, querido, tenho certeza que me acha uma biscate, seu recado foi bem claro.

- Mãe! ­– Repreende Emily.

- Desculpa, querida – digo.

- Então, vai, mãe, fala pra gente.

- Não quero dizer mais nada.

- Dessa vez não tem um desconhecido sentado na mesa.

- Jorge não é um desconhecido.

- Estamos em família, vai fala. Explica o que aconteceu.

- Eu já disse, você não quis ouvir.

Randy sobe o tom da conversa, sobrepondo a música ambiente.

- Fala alguma coisa! Pergunta se a gente está bem, abrace a gente antes de dormir, mas fala alguma merda! – ele grita. Instantaneamente, como um bule de chá fervilhando, eu dou um tapa na mesa e me levanto, furiosa.

- Nunca mais grite comigo de novo! Eu sou a sua mãe! – dessa vez o encaro se contrair na cadeira – Você pode não me ver como uma, mas eu sou a droga da sua mãe! Tudo que eu faço nessa... merda – levanto os braços e indico a casa – é preocupada com você! A minha vida inteira te defendendo e me escravizando pra ter em troca essa sua ingratidão até na porcaria do jantar! Sempre cheio de ressentimento e de lição de moral, querendo ensinar todo mundo o caminho que se deve andar ­– forço uma voz ­­– quando você não faz nada direito dessa sua... vidinha – o sangue continuar ferver como lava – Eu sei que seu pai foi embora! Eu sei que não é fácil, e só Deus sabe como queria tirar essa dor de você, mas eu não posso!

Respiro fundo, as mãos tremendo.

- E... Jeniffer está morta – desvio o olhar de Emily, não quero vê-la agora – Sua irmã está triste, está tendo que lidar com isso sozinha e é com meu namorado que está preocupado? – uma bile trava minha garganta – Eu queria te proteger de saber o que você fez, mas é tarde demais! – seguro o tampo da mesa com as mãos. – Se você estivesse mais preocupado em se perdoar do que fugir do problema, se você tivesse corrido me abraçar e dizer "mãe, preciso de ajuda" eu teria virado o mundo pra te defender, mas você prefere se virar contra mim! E... essa merda deveria servir pra gente se unir, pra sermos uma família normal, que encara as situações junto, mas vocês preferem se isolar, preferem... ignorar! – olho para Emily, que está em choque – Todo mundo errou. Todo mundo. E essa merda seria muito mais fácil, mas..., mas... Ninguém assume a responsabilidade por nada! – respiro fundo recuperando o fôlego, respirando pesado. Lubrifico os lábios secos que tremem com saliva e me sento.

Randy parece ainda mais destruído agora: o cabelo maior que sempre foi, oleoso, como se há dias não lavasse, os olhos vermelhos, fundos, cheios de ressentimento e lágrima.

Não consigo mais comer e não consigo encara-los. Abaixo a cabeça e tento mirar a concentração no copo de suco.

- Você tá certa – Randy diz, sem força. Controlo a vontade de chorar. A voz embargada – Seria fácil lidar com isso. Seria fácil se a gente tivesse uma mãe normal.

Olho para ele novamente, sentindo dor. Uma dor tão pontiaguda que se tornava física. Tento falar, mas a voz não sai.

- Eu odeio você – Randy se levanta e sai da copa.

Começo a chorar. Desesperadamente.

- Mãe – Emily diz, caminhando até mim e me abraçando por trás.

- Se ele soubesse o que eu faço pra proteger ele, Emily... – digo, quase sem voz.

Se ele soubesse

eu seria

a melhor mãe

do mundo.

Não olhe para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora