RANDY

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- Garoto! – um dos policias me chama. Meu corpo se congela, penso em correr, mas minhas pernas tremem e param, perdendo o movimento.

Eles continuam andando até mim.

A minha visão escurece, parecendo cada vez mais turva.

Algum dos policiais diz alguma coisa, entretanto, minha mente está muito nublada para entender alguma coisa.

- Garoto. – Não havia mais ninguém no corredor – Garoto!

O grito me faz acordar. Minha mente recobra a lucidez enquanto a febre da minha pele vai embora. Agora, o corredor voltou ao normal.

Olho para os alunos que me devolvem um olhar desconfiado. Eu estava ficando louco.

Eu estava alucinando!

Balanço a cabeça, tento ignorar os olhares que me julgam insano.

Saco meu celular e procuro por mensagens recebidas, mas, entre elas, nenhuma foto. Ninguém havia entrado no meu quarto?

Droga, eu estava enlouquecendo!

Sigo para a enfermaria e fico lá até o final das aulas, imaginando-me num hospital psiquiátrico. A enfermeira me dá um comprimido para enjoo e eu deito. Quando saio da escola, estou melhor.

Caminho para buscar o que Lucas havia me pedido. Atravessando a avenida e seguindo por uma ponte que me leva a uma viela suja, atravesso três quarteirões e olho ao meu redor. Estou no que se assemelha à Cracolândia. As casas outrora bem reservadas tinham as paredes ou pichadas com tinta preta ou sujas. O chão repleto de lixo parecia servir de casa para ratos. Somado ao clima, aquele lugar era cinza. Cinza de maneira horrível. Como eu nunca havia visto antes. Olho para o alto de um poste, encontro a placa com nome da rua. Meu coração pulou rápido: eu havia chegado. E o que mais me assustava não era o fato de eu ter chegado, mas onde eu havia chegado.

Numa parede lateral, leio:

BEM-VINDO AO INFERNO

E não há dúvidas. Como num filme pós-apocalíptico, eu realmente estou no inferno, mas ainda mais malcheiroso, passando de enxofre e lixo azedo em questão de segundos.

As poucas pessoas que andam pelas ruas parecem zumbis. Sentadas ou deitadas nas calçadas, todos sujos e com expressões cadavéricas. Uma mulher grávida usando um tomara-que-caia preto passa por mim fumando um cigarro e minha pele formiga. Outra mulher corre para dentro de uma casa como se estivesse correndo de alguém, desesperada. Um homem coberto por um edredom sujo e rasgado recolhe do lixo latas de bebidas e as amassa, jogando dentro de um saco preto que arrasta no chão quando parte para outro lado da rua.

Um casal de crianças, não tendo mais que seus onze anos, lutam por uma pedra de crack que a menina segura. Uma idosa me olha e ri, depois desvia o olhar e entra para sua barraca feita de lona e cortinas velhas.

Tomo uma dose de coragem e caminho lentamente por entre a rua, passando a mochila das costas para o peito. Apresso o passo quando os vejo me acompanhando com o olhar.

Procuro pelo número do endereço no papel e depois o acho. A estrutura não passava de um monte de tijolos amontoados para cobrir o que eles faziam ali dentro. Respiro fundo.

- Fazia um estrago! – uma mulher de dentes pretos me olha e zomba, mas ignoro. Eu precisava ignorar.

Estava com medo, minhas pernas trêmulas como testemunha. Não me decepcione... A voz de Lucas sussurrou novamente em meus ouvidos. Eu não podia simplesmente ser um covarde agora.

Aproximo-me da parede de tijolos e por uma fresta escondida, me esgueiro para dentro. Um homem negro de cabelos cacheados fuma um cigarro de maconha enquanto outro homem de pele pálida e dentes amarelados dorme com a mão nos olhos.

Adentro o terreno de barro e vejo ao longe uma barraca. Uma estrutura pequena de madeira, com alguns homens em baixo da tenda, na sombra. É, parece que cheguei.

Com o coração quase parado, os homens me observam se aproximar. Era óbvio que eu não oferecia perigo, pela forma como minha testa suava.

- Quem é tu, irmão? – Um deles, careca, de barba por fazer e ar de malvado pergunta, com os braços cruzados sobre o peito, se aproximando de forma intimidadora.

Dou um passo para trás e engulo seco antes de responder.

- Lucas... Meu amigo. Ele me mandou vir buscar umas coisas. Não sei bem o que é – termino. Ele me olha junto com outros três homens que empacotam maconha dentro de pequenos saquinhos plásticos. Encaram-me desconfiados.

- Tá logo ali – o careca acena para uma mesa onde havia três pacotes em cima.

- O garoto pode estar mentindo, irmão, vê isso direito! – uma negra comenta para o careca.

- Não tá mentindo, não, o cara avisou que um parceiro dele ia vir pegar as paradas pra ele hoje.

Caminho até a mesa, ainda com as pernas bambeando. Pego os pacotes um por um. Um deles é leve, e parece conter folhas. Lucas fuma maconha, isso não é novidade, então deduzi que fosse maconha. O outro era menor, e parecia conter algumas capsulas. Pensei em todas as drogas possíveis e não consegui imaginar nenhuma que fosse parecida com aquilo que jazia na minha mão. O último era menor ainda. Um pequeno bloquinho embrulhado por um plástico transparente. LSD.

Coloco-os dentro da mochila e a coloco nas costas. Está bem mais pesada agora.

- Manda aquele mauricinho pagar o que deve, hein, pai – algum deles ordena, referindo-se a Lucas. Olho para trás e assinto, os lábios pressionados ficando vermelhos.

- Pode deixar – sussurro, quase para que eles não ouçam.

Caminho para fora do lugar sentindo o peso de vários olhares sobre minhas costas. O homem careca grita um aviso para eu tomar cuidado e penso nos policiais imaginários que vi na escola mais cedo. Com sorte, consegui sair da cidade fantasma sem ser seguido por um cracudo e sem ser pego pela polícia. Rio desse segundo pensamento.

Por segurança e precaução, chamo um carro de aplicativo.

Em casa, coloco debaixo da cama, preso nos estrados de madeiro, os pacotes, tanto o de maconha quanto o do LSD, exceto aquele com as drogas que não reconheci.

Sento no chão e com os dentes rasgo o pacote. Arrependo-me na hora. As cápsulas de cocaína se espalham pelo chão, como tampas de canetas transparentes com o conteúdo em pó dentro. Meu corpo se congela. Lucas usava aquilo?

Alguém bate na porta.

Tomo um susto e arregalo os olhos.

- Randy? – era minha mãe – porque trancou a porta? – ela pergunta.

Desesperado, junto todas as cápsulas e as coloco no que sobrou do pacote, escondendo no guarda-roupa. Destranco a porta e deito na cama, pegando um livro qualquer e abrindo numa página aleatória.

- Por que demorou tanto pra abrir a porta? – minha mãe pergunta, porém antes de eu pensar numa desculpa qualquer, vejo ao lado dos seus sapatos pretos de salto alto uma cápsula de cocaína no chão. 

Não olhe para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora