VICTORIAN

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- Não importa – digo, olhando para os olhos arregalados de Randy, que soa frio deitado na cama. – O que foi? Está tudo bem?

Ando em direção à sua cama. Encosto a palma da mão em sua testa, que está tão fria quanto a de Jeniffer no dia em que a vi no necrotério.

- Está bem, Randy? – pergunto, com um nó se formando na minha garganta.

Ele levanta rápido como uma corça, se joga no chão e pega alguma coisa. Depois se vira e me olha, com um sorriso nervoso no rosto.

- O que tem na sua mão? – eu pergunto, com os olhos semicerrados. Ele estava escondendo alguma coisa.

- Não é nada – ele diz logo depois.

- Mostre as mãos, Randy, eu não estou brincando.

E então, contrariado, ele as levanta. Estavam livres.

O encaro por um tempo. Seus olhos desconfiados.

- Quero que se arrume dentro de meia hora e desça, temos um jantar... E visita. – Digo, atravessando o quarto e chegando à porta – Não se atrase. Emily já está esperando lá em baixo.

- Que visita? – ele pergunta, coçando a perna esquerda.

- Você vai ver, querido. Apenas fique pronto e desça.

- Tudo bem.

Antes de me virar por completo, franzo o cenho e volto para ele.

- Você... tem certeza que está tudo bem? Você geralmente está em casa trancado no quarto, as janelas e portas sempre fechadas...

- Prometo. Só não estou muito afim de sair. Então fico aqui. Eu... escrevo, leio livros, jogo algumas coisas no computador.

- A gente podia ir correr no parque. Ou devíamos jogar futebol. Você adorava quando era mais novo.

- Eu... só gosto de outras coisas agora, mãe.

- Escritores deprimidos e jogos violentos? É disso que gosta agora?

- Não é isso.

- Se não estiver tudo bem, pode me procurar. Sabe disso, não sabe?

Aproximo-me de seu rosto quente e lhe dou um beijo na testa antes de sair.

MEIA HORA MAIS TARDE, a mesa estava servida. Emily trajava de um vestido negro que realçava seus seios fartos. Seus cabelos negros caiam como cascatas por suas costas, e seus lábios estavam delineados por um leve tom vermelho. Nas pálpebras de seus olhos castanhos, um leve tom claro se destacava. Parecia eu quando era mais nova, só que ainda mais bonita.

Randy desceu as escadas. Ainda com a pele pálida, os cabelos loiros brilhando. Usava uma camisa preta de alguma banda e uma jaqueta de couro preta por cima. Suas calças, também das cores da noite completavam seu estilo.

Eles sentam à mesa, desconfiados. Olham para a disposição dos talheres sobre o jogo americano. Na mesa ao lado, bandejas dispostas com as comidas que seriam servidas.

Sento à mesa, na cabeceira, como sempre. Eles me encaram.

- E a comida vai vir andando pra cá? – Emily pergunta e eu sorrio.

- Não vamos comer antes da visita chegar.

- E cadê o pai? – Randy pergunta, me fazendo sentir a pior mãe do mundo, entregando como exemplo aos meus filhos a família mais disfuncional que eles poderiam ter.

Hesito por um instante e me arrependo daquele jantar no mesmo instante. Como poderia apresentar um novo namorado sem ao menos contar a eles que me separei de seu pai? Como eu poderia esperar que eles agissem sem fazer perguntas?

Quero morrer. Eu devia ter sido menos covarde, eu deveria tê-los chamado para conversar.

Mas não, não era tarde demais.

- O pai de vocês foi embora ontem à noite. Nós nos separamos porque... – respiro fundo – ele tem outra família.

- O que? – Emily pergunta, de cenho franzido.

- Ele tem outra família, mas vocês ficarão comigo. Não os deixarei ir com ele. – Falo como se eu soubesse fazer o papel de protege-los – Claro que vão poder falar com ele, ter contato, mas se ele criou outra família, é porque não gostava da que já tinha.

- Onde ele está agora? – perguntou Emily, parecendo preocupada.

- Não sei onde ele está e isso não me importa. – Digo, ajustando o caimento do vestido – Desculpe, crianças, mas se ele se importasse de verdade, teria chamado vocês pra conversar, se explicar, sei lá...

- Como consegue...? Ele é... era seu marido – minha filha diz, e a olho, nervosa.

- Eu fui traída, Emily!

- E você não acha que a gente merecia saber que merda acontece dentro dessa casa?

- Claro! Claro que merecem e é por isso que fiz essa droga de jantar!

Os dois me olham, sem palavras.

- Meu pai sai de casa e você dá um jantar como se fosse motivo de comemoração – Randy diz, sem saber esconder sua mágoa – Fez o prato preferido dele como provocação.

- Não é justo – digo, balançando a cabeça – Vocês não sabem como foi pra mim. Como está sendo pra mim. Vocês perguntaram dele, perguntaram onde ele está, me acusaram, mas perguntaram como eu me sinto? – respiro fundo, sem conseguir conter as lágrimas que enchem meus olhos. Isso gera um silêncio constrangedor. Até a luz parece mudar.

Olho para o teto, tentando secar as lágrimas sem borrar a maquiagem.

- Me desculpem – solto o ar – Eu devia ter falado com vocês antes. É só que... Não está sendo fácil. Eu não saberia lidar com isso sozinha.

Como um aviso cósmico, a campainha toca.

- Ele chegou. – Adianto.

- Ele? – Emily acentua.

Randy olha em direção à porta e eu me levanto. Passo a mão pelo vestido e pelos olhos, tentando secar os últimos vestígios de lágrima. Abro a porta e ele entra, trazendo consigo um corpo cheio de músculos e terno, e nas mãos, um buquê. Sorrio e seguro seu braço enquanto fecho a porta atrás de mim e caminhamos em direção à copa.

Emily franze o cenho e cerra os olhos, trocando de olhar entre nós e Randy.

- Quem é ele? – Randy pergunta, desconfiado.

- Jorge Munhoz. – Respondo, com certa euforia e medo – Ele é meu namorado.

Não olhe para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora