RANDY

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Eu não quero um segundo pai. Não quero brindar, nem quero saber sobre a vida dele.

Eu odeio todo mundo!

Deito na minha cama pensando com raiva e indignação, esperando a minha mãe vir com um discurso sobre amor e tolerância. É ridícula a ideia de trazer um homem para cá logo depois de meu pai sair. Mas eu o odeio também, por tudo! Por ter destruído nossa família e por ter saído sem ao menos conversar comigo e com Emily.

Além disso, as desafiadoras palavras de Lucas não param de se repetir dentro da minha cabeça, tornando tudo ainda mais difícil. Eu tenho o meu valor. Eu não sou fraco como eles pensam.

Se eu olhar pra trás estou perdido.

Mesmo com o quarto tão abafado e minha mente insistentemente tentando pregar peças, tento cochilar, mas só consigo ouvir as risadas altas no andar debaixo. O jantar terminou, pelo que parece, porque os escuto subirem para seus quartos.

Minutos depois escuto batidas na porta.

- Entra – respiro fundo, esperando ver minha mãe, mas quem entrou foi Jorge. Se eu não o odiasse tanto, poderia jurar que ele era atraente.

- A gente pode conversar? – ele pergunta, sentando-se aos pés da minha cama com naturalidade, como se fizesse isso a tempos, como se esse gesto fosse vindo de um histórico de pai que fazia o mesmo para me contar histórias antes de dormir.

- Não temos o que conversar – franzo o cenho e me encolho na cama, abraçando os joelhos e cobrindo as pernas.

- Temos, sim – ele balança a cabeça – Mas prometo ser rápido.

Eu não disse nada, no fundo, quero ouvir o que ele tem a dizer. O quarto parece subir de temperatura. Ele continuou.

- Eu já tive a sua idade – ele começa.

- Não diga – interrompo em tom de ironia. Ele ignora. Parece controlado demais para cair nas minhas provocações.

- Aos dezesseis tudo parece meio... confuso, eu sei. Em alguns momentos a gente se sente dono do mundo, cheio de poder, outra hora o mundo parece querer engolir a gente, sei lá – diz, olhando para as paredes cheias de pôsteres, divagando, como se isso o transportasse para algo no fundo da sua memória – Acontece que é comum também que você esteja confuso, e devo admitir, apareci numa hora péssima pra todos vocês, mas sua mãe insistiu para que eu viesse.

Balanço a cabeça e fecho os olhos antes de encara-lo com desdém.

- Olha, você não é meu psicólogo e também não somos amigos, então, guarda esse papo pra outro, não vai rolar.

- Você vai me querer aqui, Randy – ele se levanta e tira do pescoço a gravata já desatada. – Não vai ser agora, não vai ser daqui uma semana, mas vamos nos tornar amigos, muito amigos. – Jorge se aproxima e toca meu joelho protegido pela coberta grossa – Sua mãe é uma mulher adulta, ela sabe o que precisa fazer com a vida dela, então, vou fazer um acordo com você.

Quero dizer que não quero droga de acordo nenhum, mas algo me faz segurar a língua no fundo da garganta.

- Domingo, eu e você, futebol, o que acha?

Franzo o cenho.

- Eu... – não entendo.

- Só eu e você, pra você me conhecer e a gente conseguir cuidar da sua mãe como os dois homens da vida dela – sinto nojo, não entendia como, de repente, meu pai passara de amor da vida da minha mãe para o ex-nada-importante.

- Não sei – rebato.

- Te pego às 10h – ele sorri e abre a porta – Boa noite, cara.

Reviro os olhos. Ele fecha a porta.

Não olhe para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora