Trinta e um.

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- Se isso é algum tipo de trote atrasado, vocês estão todos dispensados de ser meus amigos - digo, fazendo com cautela o caminho pelo corredor.

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Marcela está tampando meus olhos com as duas mãos enquanto Manu me guia pelo braço.

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- Não é trote - ela jura -, embora eu fique meio surpresa quando penso que não temos esse tipo de coisa nessa escola.

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- Esse lugar parece mesmo o tipo ideal de espaço pra trotes - Marcela concorda, e eu reviraria os olhos se eles não estivessem cobertos.

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Alguns minutos antes eles chegaram no quarto prometendo uma "surpresa", e eu deveria ter sido mais esperta do que ter contribuído com a brincadeira. Seja o que for, tenho a sensação de que Rafaella está envolvida. Faz uma semana desde nossa conversa sobre a passagem de avião e, mesmo que ela não tenha tocado no assunto de novo, eu sei que Rafaella não desiste assim tão fácil.
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Talvez seja por isso que eu me deixei levar com tanta boa vontade por Marcela e Manu.

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Tenho alguma noção de onde estamos. Nós descemos até o primeiro andar e posso ouvir o chiado daquele único radiador perto do estúdio de arte que está sempre dando problema, mas, fora isso, estou firmemente sem a menor ideia do que estamos fazendo aqui embaixo.
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Porém, tenho certeza de que, se formos pegos, nunca mais sairemos da detenção.
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- Seja lá o que for - aviso -, é bom valer a pena.
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- Vai valer - Manu promete, e então meu nariz detecta o cheiro de... batata-doce?
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Sim, batata-doce com aquele cheiro de açúcar caramelado de marshmallow e, por cima disso tudo, o aroma delicioso da sálvia.

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- Gente - começo, mas então Marcela tira as mãos dos meus olhos e fico sem reação.

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Estamos na sala de arte e ali, arrumado em cima da mesa, tem um minibanquete de Ação de Graças. Então percebo uma pequena ave assada que não é um peru, mas que está cheirosa demais, e alguns pratos de porcelana, um deles com macarrão com queijo, outro com as amadas batatas-doces com marshmallow. Tem uma torta também, e um antigo candelabro de prata ilumina tudo, mas meus olhos ficam retidos em uma única coisa.

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A garota que me aguarda de pé atrás da mesa.
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- Surpresa! - Rafaella exclama, batendo palmas.

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Ela veste jeans e um suéter, com os cabelos soltos ao redor do rosto, sorrindo. Um sorriso de verdade, e estou surpresa.

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Mas não pela Ação de Graças em miniatura que ela fez para mim.

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Não, o que me surpreende é a percepção repentina, estonteante e indiscutível de que, mesmo sem querer, eu me apaixonei por uma verdadeira princesa.

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O sorriso de Rafaella se desfaz um pouco, suas mãos se abaixam.
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- Você não gostou? - ela pergunta, olhando para a comida. - Está errado?

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Tenho que engolir em seco antes de conseguir falar.
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- Não - eu a tranquilizo, dando um passo à frente.
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De canto do olho, vejo Manu e Marcela trocando olhares.
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- Não, é perfeito - digo. - Quer dizer, faltam três semanas para o Dia de Ação de Graças, mas, ainda assim. Isso é... eu não sei o que dizer.

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Aquele sorriso ilumina o rosto dela novamente, e meu coração bate tão forte dentro do peito que me surpreende ninguém ouvir. Minha cabeça gira e minha garganta está tão seca que eu bebo feliz a latinha que Rafaella me oferece.
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E imediatamente me arrependo dessa decisão quando um gosto meio sem gás de chiclete bate na minha língua, e eu afasto a lata para fazer uma careta.

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- Eca.
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- Isso é Irn-Bru, a bebida nacional da Escócia, queridinha - Rafaella diz, fingindo se sentir ofendida ao pegar a lata de volta, e quando nossos dedos se esbarram, eu juro que sinto um choque.
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Mas me obrigo a fazer uma careta e digo:

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- Você também não achava que o veado era o animal nacional da Escócia? E onde fomos parar por causa disso?
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- Onde fomos parar por causa disso, de fato - Rafaella contesta. - Somos amigas agora. Não seríamos se não fosse por aquele veado estúpido.

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Ela tem razão, mas tudo que consigo pensar é que deve ter sido ali que tudo começou. Não foi na lavanderia ou na dança na estufa ou olhando juntas para minhas pedras - foi aquela noite lá em cima da colina que nos trouxe a este momento, quando percebo que estou afim dela. Eu deveria ter percebido antes a maneira como as coisas tinham mudado entre a gente.
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Nós comemos nosso pequeno banquete felizes, Rafaella nos deliciando com a história de como ela conseguiu reunir essa comida toda.
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- Eu não sei como Glynnis conseguiu achar alguém pra cozinhar tudo isso - Rafaella comenta, pegando a colher nas batatas-doces e mexendo no prato -, mas a mulher é uma super-heroína.

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E então Rafaella me encara, seus dentes mordiscando o lábio inferior.
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- Droga. Isso é demais também? Mandar um contato da realeza arranjar comida? Eu sei que você disse que a passagem de avião era muito...

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Estendo a mão e toco em seu braço, sacudindo a cabeça.

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- Não, isso foi só... o uso de recursos disponíveis. É diferente de jogar dinheiro em alguém.

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Rafaella quase se envaidece com isso, levantando o queixo com um sorriso confiante.
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- Sabia.
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Do outro lado da mesa, vejo Marcela e Manu trocando olhares, algo se passando entre elas, mas ignoro. (n/a: Qual o shipper?)
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Por enquanto, tudo parece... agradável. Legal.
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Quase normal.

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Mas então vemos um clarão na janela. (n/a: O QUE?!)

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Rafaella tão boiolaaaa.  Tô amando.

SUA ALTEZA REALOnde histórias criam vida. Descubra agora