Girassóis de Van Gogh.

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Deixa a estrelinha

Boa leitura!



Kevin entrou no consultório de sua psicanalista arrastando correntes. Diferente de todas as vezes em que esteve sentado naquela cadeira era a primeira vez em que não esboçava um sorriso debochado ou que pensava ser uma perda de tempo já que tinha tudo que queria na vida, atenção de seus pais não importava tanto quando tinha Jacob, seu blog, a amizade com Hyunjae, o sucesso de seus posts, falava deles com frequência, mas nunca de fato do que se tratavam. Costumava pensar nas sessões com a senhora Kang apenas um bate-papo semanal como se estivesse sendo entrevistado em um programa de TV para jornalistas, famosos e pessoas recém descobertas com seus cinco minutos de fama.

Foi a primeira vez em muito tempo em que não tinha nada.

Quando começou a frequentar as sessões não imaginava quanta coisa tinha enterrada em si, embora levasse com pouca seriedade, tinha que admitir, em muitas situações foi de grande ajuda. Seus pais arrumaram um jeito de Kevin ter a atenção que queria, mesmo que fosse pagando por isso. Ninguém melhor que uma terapeuta para preencher o vazio que os pais causavam nele, era como pensava.

Aquele dia não foi à escola. Começou a sessão respondendo apenas com acenos de cabeça, o básico sim ou não. Queria não ter ido, mas o único momento em que seus pais realmente lhe notavam era ao deixa-lo na porta da senhora Kang, uma mulher de meia idade, gentil e compreensiva a qual os Moon's confiavam dar um jeito no filho carente e rebelde, já que ambos tralhavam muito e não tinham tempo de cuidar do garoto, que mais tardar, se tornaria um homem sem que eles se dessem conta.

Os olhos inchados denunciavam o quanto tinha chorado. Kevin usou de óculos escuros no carro para seus pais não perceberem a bolsas que marcavam abaixo dos finos olhos. Mas ali, naquele pequeno cubículo podia tirar e mostrar verdadeiramente como sentia-se. O garoto olhava pela a janela do sexto andar, aquela sala tinha cheiro de roupas limpas e amaciante de flores. A vista era bonita, mesmo que nublado o céu ainda parecia mais limpo que sua própria mente.

A mulher lhe lançou um olhar compreensivo. Segurou sua mão e ofereceu balinhas. O Moon parecia apático, derrotado, a marca em sua bochecha era visível, ainda que mais fraca pela quantidade de pó que havia passado. Seus olhos arderam de novo e sem perceber chorava a soluços. A senhora Kang do outro lado da mesa avaliava o rapaz, sem poder consola-lo, esperaria acalmar para então entender o que se passava. Kevin contou que nada estava certo, contou o que fez, como foi tratado, pela primeira vez se despiu na frente daquela senhora por vontade própria, sem insistência ou muitas perguntas.

Contou verdades que não poderiam ser conversadas em apenas duas horas. Contou a dura farsa que foi sua relação. Se é que podia considerar o que viveu com Jacob uma relação. O desespero em sua voz, visível pelos soluços, disparavam sentenças que nunca lhe passaram pela mente. Ao final de tudo que falou, de todas as anotações feitas por aquela mulher que lhe avaliava, esperava uma solução rápida, direta, queria uma resposta para o que fazer. Algo que preenchesse o vazio em seu peito, cobrisse as feridas que se abriram ou pelo menos um anestésico temporário que aliviasse a dor em seu peito. Se ouça. Foi tudo que aquela mulher lhe disse. Kevin sentiu novamente ser enganado, se abriu, foi sincero e recebeu um "Se ouça". Seus olhos de tristes passaram para incrédulos. Se ouvir? Mais do que ouviu a noite inteira, mais do que ouviu de Jacob? As curtas palavras de Hyunjae, a própria voz em sua mente o derrotando. Pela primeira vez, Kevin quis o silencio.

Saiu daquela sala batendo a porta com força. Seus pais não foram lhe buscar, como esperado. Pegou um taxi e voltou para a casa vazia, subindo as escadas até o quarto. Não se deu ao trabalho de trancar a porta. Ninguém entraria ali, mesmo se fossem fantasmas sua única companhia, não veria. Se encolheu na cama e pôs os fones de ouvido. Abriu sua playlist favorita "Beethoven Symphonies". Se acreditasse em outras vidas com certeza teria sido um pianista ou um grande apreciador. A forma como os sons de cada nota entrava em seu ouvido penetrava sua alma e, embora estivesse triste e humilhado, sentia-se acolhido pelos cinco minutos que tocava a sonata 14, Moonlight Sonata.

Photograph | JukyuOnde histórias criam vida. Descubra agora