Monstro

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TW: Violência; Menção de morte; Suícidio;

A pequena criança brincava pelos campos com um sorriso alegre no rosto, sem se importar com o tempo que aos poucos passava. Era difícil – quase impossível – ele conseguir escapar de sua casa para brincar um pouco na rua, já que seus pais o proibiram até mesmo disso. Tudo o que o menino desejava era ter amigos com quem conversar e passar o tempo.

Mas... Não era como se fosse possível isso. Sempre que ele fugia de sua casa nunca via uma única criança do seu tamanho pelas ruas, então se limitava apenas a andar e andar, até encontrar aquele pequeno campo onde tinha uma árvore repleta de frutinhas que passaram a ser suas favoritas.

"Será que Cherry irá gostar dessa frutinha também?" O menininho indagou quase babando, mas logo deu um sorrisinho inocente, colhendo um pouco mais para que pudesse dividir com o animalzinho mais tarde.

E lá foi ele.

O pequeno garotinho de cabelos negros e longos logo correu para sua casa no final da tarde, levando consigo as cerejas que conseguiu colher sem dificuldades. Carregava as frutinhas em sua enorme blusa de frio, que estava dobrada em sua barriga enquanto seus bracinhos seguravam para nenhuma cair.

Ele nunca usava roupas adequadas para seu tamanho, já que o homem casado com sua mãe não a deixava cuidar dele como deveria; nem mesmo se importava a cuidar dele como uma criança normal, como todas as outras. Aquele homem, que morava com sua mãe, deixava claro todos os dias de sua vida que sua existência era um erro. Que ele era apenas um monstro que nasceu após ela ter sido deflorada por um demônio que a enfeitiçou num momento de inocência. Nem mesmo deixava que o pequenino saísse de casa, para que ninguém ficasse vendo seus olhos, e com isso nem lhe cortava os cabelos – a criança tinha uma franja bem longa para tapar suas orbes rubis brilhantes.

Por isso naquele dia o garoto havia saído pela janela, onde agora teria que entrar. Mas quando passou pela lateral de sua casa para tornar a subir pelo mesmo local de horas antes, ele percebeu uma gritaria perturbadoramente ecoando de onde era a cozinha. Seus pequenos olhinhos visualizaram a silhueta descontrolada dos dois berrando como se assim fossem entender melhor o que diriam.

"POR QUE VOCÊ DEIXOU AQUELE MONSTRO SAIR?!"

"NÃO O CHAME ASSIM!" Era a voz de sua mãe, a sombra menor, com cabelos negros e compridos como os seus. As mãos dela voavam no ar, expressando sua raiva.

"VOCÊ ACHA QUE PODE FALAR ASSIM COMIGO? EU ME CASEI COM VOCÊ APENAS PARA QUE SUA HONRA NÃO FOSSE MANCHADA! OU ACHA QUE ALGUÉM IRIA ACEITAR UMA CADELA COMO VOCÊ, GRÁVIDA E SOLTEIRA NA ADOLESCÊNCIA?!"

O pequeno garotinho sentiu um arrepio peculiar na nuca quando viu a mãe se virar de costas e passar as mãos nos cabelos em meio ao choro. O homem, que todos intitulavam ser seu pai, tornou a gritar coisas que ele não se dava ao trabalho de tentar entender, e conforme o tempo passava era previsto que aquela berraria não terminaria tão cedo.

Ele suspirou, cansado e triste. Não queria ver sua mãe, a única pessoa que o protegia de todos os tapas e socos diários daquele homem, ali, sendo maltratada também por sua causa. Mas ele sabia que não poderia fazer nada, senão iria passar mais uma semana sem conseguir se mover em sua cama, como foi no mês passado. Então apenas adentrou pela janela e se escondeu em seu quarto.

Sentou-se no chão perto da porta e abraçou suas pernas, escondendo o rosto entre elas como um bichinho acuado enquanto mordia algumas cerejinhas.

De repente, ele escutou um grunhido choroso, fazendo-o esconder as cerejas debaixo do travesseiro para engatinhar até debaixo da cama, onde encontrou sua besta sagrada com a patinha machucada. Era um lobinho de pelagem negra, com várias manchas vermelhas como se remetesse a labaredas subindo por seu pescoço e patinhas.

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