capítulo 39

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26 de novembro de 1968, Japão

O luto era assustador.

Faziam seis dias após a morte do pai, e em sua cabeça e visão, estava escuro o tempo todo. Perdera o apetite na maior parte do tempo, sem o devido ânimo para comer ou abrir os olhos e ir a escola na qual tanto odiava.

Seu apetite se tornou uma piada devida a tantas oscilações. Primeiro, a fome não vinha, escapava dos dedos e Denki simplesmente não possuía ânimo para colocar comida na boca ou mastigar. O pensamento de ter sustento descendo pela garganta doía, a ideia em ficar satisfeito mesmo que com algumas coletes de arroz o fazia subir uma ânsia de vômito tão grande que ficava minutos parado. Convencendo a si mesmo de como aquilo não valia a pena o esforço.

Então viera a compulsão em comer tudo que via pela frente.

Punhado de açúcar puro, grãos, gramas pesados de carne, bebendo suco até a barriga inchar, repetia pratos pelo menos três vezes e depois beber litros de água. Tudo aquilo para adquirir o mau hábito de enfiar o dedo na garganta e despejar as refeições pesadas dentro da privada com o cérebro gritando por comer demais. Não adiantava, pois acabava fazendo de novo e entrando em novos conflitos onde a própria mente sempre o traia.

Mas gostava de dizer que estava feliz pela mãe lidar bem com o luto. Apesar de chegar em casa tarde do trabalho como enfermeira, carregando remédios abaixo de seus braços enquanto conversava alegremente pelo telefone com alguém, Denki se permitia sorrir. E durava somente dois segundos, quando ela notava a forma que os lábios do filho ficavam erguidos minimamente, a mesma o olhava de forma indiferente, não deixando escolhas então a não ser desfazer o sorriso com pedido de desculpas.

Não conseguiu cortar o cabelo, era cobrado pela mãe, porém seria impossível. Se apegou demais aos fios loiros ficando compridos e macios, aprendeu a pentea-los com dificuldade, a cada deslizar da escova novas lágrimas se formavam nos olhos. Precisou abafar o choro, não queria incomodar a felicidade da mãe.

Ela não parecia se importar muito também, mas seus pensamentos estavam inertes em observar como o mundo ficou mais cinza e o vazio dentro de si ficava maior. Acreditando ser fome, no horário da janta ficou decidido a não vomitar como havia feito mais cedo, e sua mãe havia notado. Segundo ela, observava atentamente a forma diferente que Kaminari engolia, após vomitar a garganta ficava machucada e a mínima tarefa de beber água passava a sensação de engolir mil facas. Kaminari esquecia de limpar os dedos e ela sabia como seus dígitos estavam úmidos, sempre aqueles mesmos dois que ele inocentemente iria segurar já mão dela. Porém sempre em gestos rápidos e com expressões de nojo era capaz de driblar.

Anos depois ele descobriria amargamente de quem havia herdado a perfeita mania de reparar todos os detalhes e saber como manipula-los em si mesmo.

— Por que está sorrindo? — Saori perguntou em desconforto, a carranca no rosto esboçando desconforto enquanto remexia calmamente uma panela de sopa no fogão.

— E-eu quero estar feliz pra você, Okaasan! — Respondeu com o sorriso tremulando nos lábios. A mulher loiro parou de mexer a panela, e lentamente olhou por cima do ombro, aquele olhar dourado fizera Denki estremecer e começar a gaguejar um pouco.

— Péssimo mentiroso. — Murmurou. — Não consegue aceitar que nunca vai ser feliz por mais que sorria?

Então o sorriso fora aos poucos embora, dando assim lugar para o conforto no corpo de Saori que emitiu uma risada descontraída antes de voltar a mexer na panela.

Se nunca seria feliz, passou a esquecer como era a sensação de felicidade. Mesmo ela estando presente sempre com o pai quando vivo. Ficara tão afundado nas próprias tristezas alucinantes que novamente não percebeu o que Saori fazia, até ouvir o barulho da tigela sendo colocada suavemente sobre a mesa.

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