Bragança & Cia

Dois Nobres, Dois Reinos.

I. 

De todos os membros desse grande grupo que são os Bragança e seus amigos, talvez Henri seja o mais inacessível e, por consequência, o mais incompreendido. É mesmo difícil entender como um nobre inglês que sempre teve tudo optou por viver cada vez mais com menos. Talvez seja possível mostrar através de sua história de amor, mas isso não é garantia de nada. A questão é: se alguém conseguiu entendê-lo e amá-lo sem ouvir seus pensamentos e quase nada de sua voz, o que será que acontecerá a nós, portadores do dom da onisciência? Esse é um pequeno parágrafo do seu narrador preferido, e lhes desejo boa sorte.

Henri nunca quis ser amado. Quer dizer, quem é que não deseja ser amado? Ele nunca havia pensado sobre isso, na realidade. Não era sua prioridade. Sua vida sempre foi bem mais complicada do que a de alguém que simplesmente buscava amor.

Já foi mencionado aqui que seus pais eram, na opinião de Henri, completamente loucos, e ele não sabia como duas pessoas assim poderiam ter se encontrado na vida e dado o azar ao universo de terem se casado e gerado não um, mas três filhos: ele e seu irmão gêmeo, e Kelly, a mais nova. E, como um belo de um azarado, Henri era o mais velho. Ele suspeitava que o problema todo estava em si mesmo, e buscava uma explicação em religiões, filosofias e até bruxas que pudessem lhe confirmar que, de alguma forma, algo nele atraia todo esse caos. No fim, acabou por se tornar um cético, porque sua vida, perto da de outras pessoas, não fazia sentido nenhum. E passou então a crer que aquilo tudo fora fruto de uma grande aleatoriedade, embora tivesse dificuldade de acreditar nessa hipótese também, mesmo sendo a mais provável... ou menos improvável.

Sua mãe o obrigava a fazer teatro desde que se entendia por gente, é verdade, mas essa nem de longe era a pior parte sobre sua família. Essa era só a parte... estranha. O resto se mostrava consideravelmente macabro e, novamente, difícil de acreditar que fosse apenas fruto de grandes aleatoriedades. 

A começar por seu pai, que era um dos oficiais do exército da Rainha, e circulavam boatos a respeito dos horrores que ele fazia com os civis para cumprir as ordens que recebia. Era um homem impiedoso que tratava os filhos como se fossem cães de caça. Se por um lado a Sra. Scott, a mãe, os obrigava a serem atores quando estavam em casa, quando cresceram e foram para junto do pai em trabalhos militares, ele e o irmão chegaram a passar noites e mais noites pendurados de ponta cabeça, jogados em um buraco cheio de raposas trazidas de algum lugar perto do Pacífico, lançados de um navio e tendo que sobreviver apenas com um barquinho e ração molhada até acharem terra à vista, e mil e tantos outros treinamentos que o homem julgava necessário para fazê-los homens fortes e futuros generais ou algo do tipo. E essa nem era a parte macabra.

Quando se juntaram ao pai, ele e Harry tiveram que matar o próprio primo por traição, e o pai não queria que fosse de um modo comum, não. Ao contrário do tio deles, que fora condenado, o garoto não tinha nada a ver com isso e acabou sendo poupado, mas é claro que o Sr. Scott, rígido como era, não concordaria com isso. Ele quis que os garotos o amarrassem aos cavalos e fosse desmembrado. Henri não suportou deixar que isso acontecesse e acertou uma adaga no peito do primo, dizendo ao pai que ele havia se matado provavelmente por saber o destino cruel que o aguardava. Mas ele sempre se perguntou como foi que seu pai não sentiu nada por ver o irmão morrer, e ainda por cima quis os membros de seu próprio sobrinho em partes.

Seu irmão, Harry, seguia fielmente os ensinamentos, tanto de sua mãe quanto de seu pai, e tinha Henri como um fraco, incapaz de fazer o que era preciso. Henri, por sua vez, o tinha como um louco, como o resto de sua família, principalmente depois que achou que eles finalmente haviam desenvolvido uma espécie de companheirismo por terem que sobreviver ao treinamento nada convencional de seu pai, mas o rapaz simplesmente o abandonou na primeira oportunidade e partiu com um grupo de piratas, matando o capitão, tomando o controle do navio, e encontrando seu pai em alto mar.