Maria do Rosário Domingos de Almeida - Apresentação

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Existem algumas coisas importantes a se dizer nesse ponto da história. Primeiramente, já havia se passado um mês e meio da morte do Sr. João Bragança e da Sra. Francisca Bragança. Segundo, os filhos homens haviam retornado há cerca de uma semana. Terceiro, Maria do Rosário não sabia de nada disso.

Não é que fosse desinformada. Na verdade, ela gostava bastante de saber sobre as coisas no geral, mas não exatamente de fofocas. Seu tio avô, na casa de quem ela passava uma temporada no Rio de Janeiro, não era nem sequer próximo do tal Bragança, e embora o acidente tivesse sido muito comentado, ela mesma não se interessou sequer em saber quem eram aquelas pessoas que morreram.

Estava trabalhando na companhia telefônica no dia do acontecimento. Os telefones não funcionavam durante a madrugada, então o Delegado teve que esperar amanhecer para chamar os bombeiros que ajudaram a retirar o carro do meio da estrada. O Delegado Henrique pediu encarecidamente para ela durante a ligação, antes que passasse para a Prefeitura, que aquele assunto fosse confidencial, e que não deveria ser comentado com ninguém o fato de que um carro havia sido retirado da estrada durante a madrugada chuvosa. Ela respondeu com um simples "Sim, senhor", e se esqueceu completamente de que sabia sobre aquilo.

Apesar de ser curiosa como uma criança — e indomável como um animal selvagem — Maria queria manter seu emprego, e sabia das renúncias que tinha que fazer para que aquilo acontecesse. Além disso, o Delegado havia sido extremamente solícito em seu tom e suas palavras passaram a ela a impressão de que fazia aquilo pelo bem de alguém, mesmo que fosse dos falecidos no acidente. Resolveu, por tudo isso, acatar.

No restante de sua vida, no entanto, Maria do Rosário era o completo oposto dessa atitude.

Para início de conversa, começou a trabalhar escondida de seu tio avô que por sorte foi muito amoroso ao descobrir pela língua grande de Celeste, sua amiga, e por uma sorte maior ainda não quis mandá-la de volta para Pelotas. Era um absurdo! Mulher para casar não trabalhava fora! Seu tio, porém, além de não ser do tipo conservador embora parecesse que sim, sempre foi com ela um homem amoroso, e Maria o considerava o melhor membro de sua família naquele momento para estar perto.

Já se haviam se passado cinco anos desde a morte do pai na revolução, e é claro que ela não agia como se fosse algo recente. Mas, por dentro, bem por dentro, ainda sentia que sim. Na época aquilo doeu como o inferno. Maria do Rosário poderia jurar que sua alma morria dia após dia, cada vez mais enquanto ficava sem ele. Chorava, gritava em meio a casa, pedia por ele, chamava pelo nome dele, mas tudo o que conseguia ver era o desespero da mãe, dos criados, todos achando que a menina morreria envolta no próprio luto. Parou de comer, parou de ir à missa e apenas dormia no pensamento de que, se tivesse sorte, sonharia com seu pai. Não estava sendo forte como ele havia pedido, não estava protegendo sua mãe e sua avó e começou a se culpar por isso. Pelo contrário, estava sendo protegida. Mas Rosário não era bem o tipo de pessoa que pedia por proteção.

Buscou seguir com sua vida. Soube imediatamente que não poderia ficar naquele limbo para sempre. A sede por liberdade parecia consumi-la enquanto todos ao redor tentavam segurá-la de algum modo (por melhores que fossem suas intenções). Saía antes mesmo do sol nascer e voltava pouco depois do café da manhã para que pudesse cumprir com suas infelizes obrigações do dia, que ainda incluía piano e bordado. Seu primo, que agora era o responsável pela família e pelas fazendas de seu pai, não concordava com esse comportamento. Ele até chegou a falar de arranjar casamento para Rosário que, teoricamente, já estava em idade. A mulher não exatamente relutou à ideia, pois sempre soube que isso aconteceria hora ou outra. Saber que o momento realmente havia chego, no entanto, era um pouco assustador: não poderia mais fazer o que quisesse, sem represálias. E se seu esposo não gostasse de mulheres falantes demais? Talvez, não fosse gostar de sair junto a ela para cavalgar e provavelmente tiraria sua espada quando descobrisse que ela tinha uma. E, então, Maria do Rosário deveria parir filhos homens e para sempre fazer crochê e tocar piano. Definitivamente não era aquilo o que ela queria, não quando estava começando a encontrar uma razão — que era a própria vida em si, mas quando realmente vivida.

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