Pierre Patrick Moreau - Apresentação

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O Rio de Janeiro ultrapassa os anos de luta e se encontra agora em anos dourados. Ou, como dizem na França, a Belle Époque. É verdade que estamos longe ainda de podermos nos comparar à cidade mais romântica, produção de grandes artistas e intelectuais, a bela Paris. Mas estamos caminhando.

O cidadão carioca caminha pelas ruas e se depara com essa bela visão que são os homens trabalhando para o crescimento da capital da República. O projeto "Cidade Republicana" pretende construir a maior avenida que o país já teve, e tornar o centro um antro de modernidade e bom gosto. O brasileiro já pode sentir orgulho, pois pela primeira vez se vê em andamento o progresso!

Pierre revirou os olhos discretamente e terminou de tomar sua xícara de café. A garçonete da confeitaria não tirava os olhos dele e continuava ali, quase em frente, parada agarrada à bandeja. Ele desviou os olhos dela e voltou a cobrir o rosto com o gigantesco jornal.

Quanta babaquice.

Certo dia um cronista recusado pelo jornal o convidou para tomar um café, afirmando gostar das reportagens dele no jornal. Pierre aceitou, e ali ouviu uma das maiores verdades de sua vida, que o fez ficar pensando por dias e dias em estar ou não fazendo a coisa certa... estar ou não no lugar certo.

O homem afirmava com grande fervor que "não há biblioteca sem o historiador português João de Barros encadernado em pele de carneiro, as obras de Gil Vicente e de outros marechais das letras portuguesas, velhos e novos, o infalível busto de Camões em argila, com uma coroa esculpida na cabeça... No entanto, estamos franceses, pelo espírito, e, mais do que nunca, esnobando tudo o que seja nosso. Tudo, sem a menor exceção. O que temos, não presta: a natureza, o céu, o clima, o amor, o café. Bom, só o que vem de fora. E ótimo, só o que vem da França."

Ele olhou de novo para o café na mesa e o pegou, trazendo para perto para sentir o aroma.

Levantou e largou o jornal na mesa, pegou a garçonete pela mão e a rodopiou pelo salão que ficou vazio de repente. A música que tocava o levava a dançar sem pensar exatamente no que estava fazendo. Não seguia os passos da valsa comum, seguia seu coração que parecia mais que tudo... brasileiro. Saiu pela porta, segurando as mãos dela, e deu uma cambalhota para descer para a rua, observando de modo extremamente vívido: de um lado, as árvores e o grande verde, de outro, a cidade crescendo livre e próspera.

De repente tudo começou a se desfazer, como um balão murchando bem diante de seus olhos. Pierre percebeu, mas não quis se desfazer da visão. Era um espetáculo todo seu, e ele ainda tinha muito a mostrar. Mas quando deu por si, estava novamente na confeitaria, segurando o jornal na frente do rosto, e a garçonete ainda o encarava como se esperasse algum tipo de investida.

Ele piscou algumas vezes e virou a página. Ergueu as sobrancelhas em surpresa, e então aquela visão nostálgica passou a fazer sentido. Devia ter ouvido de alguém enquanto estava no jornal, o anúncio que o prefeito mandou fazer: o circo estava para vir, e o homem fez questão de reforçar que era um circo francês.

Ele levantou com um suspiro pesado e deixou algumas moedas em cima da mesa para pagar o café, o croissant, e uma boa gorjeta para a garçonete que, coitada, ficaria decepcionada por não encontrar nenhum bilhete marcando um encontro após seu expediente.

O que poderia fazer? Estava atrasado. Não tinha tempo de escrever, muito menos de se envolver com alguém... ainda mais sendo uma garçonete. O que ele ganharia com aquilo? Pessoas da alta sociedade não eram vistas em público com gente pobre, a não ser em época de eleição.

- Pierre! - Um garoto o chamou na porta do Jornal, e o entregou um envelope.

- Ah, mais uma do Leopoldo Alvares? - Ele sorriu minimamente e tirou uma moeda do bolso para dar ao garoto - Não quer mais uma? - Ele falou antes de entregar o dinheiro ao garotinho - É só me dizer onde ele mora.

- Eu não posso. - O garoto sorriu - Ele me paga mais.

- Duas moedas, então.

O garoto fez que não.

- Duas moedas e... - ele tirou uma terceira de trás da orelha do garoto, que se animou com o truque e fez Pierre sorrir minimamente. - mais uma.

- Eu não posso, Sr. Pierre. - O garoto passou a mão pela orelha - Como foi que o senhor fez isso?

- Ora... você não tem seus segredinhos? - Pierre passou pela porta e sacudiu o envelope que o garoto havia entregado, falando já de costas. - Obrigado, Caio.

Subiu as escadas, passou por todos ali com um sorriso simpático, mas sem abrir espaço para conversas. Estava ansioso por tirar da cabeça a visão que tivera mais cedo, e as crônicas de Leopoldo Alvares eram perfeitas para isso. Deixou para abrir o envelope quando já estava dentro de sua sala.

Ele estava completamente imerso na leitura quando seu chefe, e padrinho, entrou na sala.

- Viu o obituário de hoje? - O homem se sentou em cima da mesa dele.

- Não. - Pierre ergueu os olhos por cima do papel, um pouco incomodado por ter sido brutalmente arrancado de sua leitura - Mas a notícia bem na primeira folha, sobre os Bragança, eu vi sim.

- Parou de ler na parte do circo, eu imagino.

Pierre o encarou como se aquilo fosse óbvio, e suspirou.

- E não tinha um modo menos nojento de anunciar o projeto da cidade republicana?

O outro riu.

- Somos um jornal republicano, Pierre, sabe disso.

- Ninguém aqui é republicano de verdade. - Ele voltou para a leitura.

- Não se preocupe. - O homem passou a mão pelo ombro dele antes de se dirigir à porta - Do modo como vem, o circo se vai. Será rápido como injeção.

- Obrigado pelas palavras, João. Não estou preocupado. - Ele mentiu, como sempre, muito bem - Na verdade, estou: em terminar de ler e descobrir quem matou o Sr. Jacques. - Balançou as mãos com os papéis e voltou à leitura.

Carlos sorriu, balançou a cabeça e deixou Pierre com sua leitura e suas mentiras que poderiam enganar a qualquer um, menos a ele.

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