[...como efeito colateral dessa brincadeira, eles acabam vivendo lindas histórias de
amor. ]
O cargo almejado por João de Matos Bragança era o de Senador, mas infelizmente
ele e sua esposa sofreram um terrível acidente antes mesmo que pudesse inic...
— O que houve com os Bragança? Ouvi algumas pessoas dizendo ter sido uma doença... mas como assim, uma doença? Assim, de repente? E em outro momento eu ouvi que foram... — Ela fez uma careta — atacados por uma fera.
Henrique conteve o riso e deu de ombros.
— No atestado de óbito diz "morte por hemorragia, causa desconhecida". Foram encontrados na estrada.
— Como pode ser que ninguém saiba ao certo como foi que eles morreram? E do que foi que morreram, afinal?
— Foi um acidente. De carro. — Henrique respondeu, observando a expressão de curiosidade e indignação da afilhada se desmanchar — A filha deles, Ana, me pediu para que não fosse divulgada a causa real da morte. Ela disse que a mãe não ia querer ser lembrada por morrer assim, de modo tão besta. Ela conseguiu convencer o médico, então eu só não contei ao jornal... — Ele suspirou e se afundou um pouco na poltrona — que acidente aconteceu bem diante dos meus olhos. Eles despencaram morro abaixo.
— E não há nenhuma chance de ser premeditado? — Clarisse o olhava como se pedisse para que a resposta fosse sim. Era mesmo um modo muito tolo de morrer, assim, de repente.
Henrique fez que não.
— De acordo com a filha eles não tinham nenhum inimigo, e viviam uma vida tranquila nos últimos tempos.
— Os pneus? Estavam bons? O freio funcionava? — Clarisse insistia.
— O freio estava normal. Os pneus, um pouco gastos. Nenhuma indicação de dano proposital.
— Havia um motorista? Ele poderia estar bêbado, ou...
— A criada disse que conversou com o motorista momentos antes e ele parecia bem. Além de tudo era um bom homem, cristão, não tiraria a própria vida assim. Pouco provável, eu diria. — Ele sorriu minimamente ao ver os olhos de Clarisse se movimentarem em um pensamento rápido sobre outras mil possibilidades — Vou continuar investigando. A filha deles me deu a chave do escritório do pai. Talvez eu encontre alguma carta, alguma... ameaça.
Clarisse ficou em silêncio, pensativa.
— É melhor mesmo não descartar essa possibilidade, se a garota conseguiu pensar tão rápido assim em esconder a causa da morte dos pais. Não acha isso um pouco estranho?
— Estranho é. Mas ela parecia mais inclinada a ser uma moça responsável, do que tentando esconder algo.
Mais um momento de silêncio.
— Vamos. — Henrique encarou a afilhada com o olhar de quem já sabia o que ela queria perguntar, e desde o início mantinha aquele olhar, e Clarisse apenas disfarçava falando sobre o acidente. — Pergunte.
— Ah. — Ela suspirou e revirou os olhos, com um sorriso mínimo. — Ela vai avisar o Carlos? Ele vai voltar?
— Ela tem que avisá-los. Ele deve voltar. — Henrique se ajeitou na poltrona, um pouco menos confortável pelo assunto que viria a seguir. — E eu tenho que te contar uma coisa sobre ele.
— Sobre o Carlos? — Ela prendeu a respiração e observou o padrinho se levantar. — Aconteceu alguma coisa com ele?
— Não. É só... uma novidade no seu caso.
Clarisse ficou em silêncio, ansiosa, esperando ele continuar.
— Ao que parece, a Sra. Francisca Bragança o enganou dizendo que você queria, a todo custo, se casar com ele. — Ele a olhou e analisou suas expressões. Clarisse parecia aliviada e, ao mesmo tempo, irritada. — Foi o padre Júlio que me contou. Passamos um tempo considerável juntos de ontem para hoje, e ele me contou... — Henrique suspirou — muitas coisas.
— Então foi por isso que Carlos se afastou? — Ela bateu de leve com o punho fechado no braço da poltrona — Ora, e por que ele não falou comigo diretamente? Me mandou aquela carta besta, falando aquele monte de coisas que eu nem sequer entendi.
— Aparentemente a mãe o sufocava com a ideia de se casar, e por isso ele deixou de voltar da França com tanta frequência. O que ele disse na carta?
Clarisse se levantou e, com passos irritados, mas ainda leves demais para serem furiosos, foi até o quarto e puxou uma caixa de cima do armário. O padrinho apareceu na porta alguns segundos depois.
— Aqui. — Ela abriu a carta em cima da cama e separou a fotografia do papel, relendo tudo rapidamente e chegando às próprias conclusões depois de alguns segundos — É claro! Como fui idiota. Ele deixou tantas pistas... veja isso. — Entregou a carta ao padrinho e começou a recitar enquanto andava pelo quarto — "Se eu sou aquilo que você quer, então não posso ser quem eu quero. Se eu fizer aquilo que você deseja, então não poderei dizer que fui sincero e verdadeiro." — E apontou na carta onde esse trecho estava — "Existe alguém que não pode ser decepcionado aqui. São duas pessoas, na verdade. E por isso devo me distanciar." — Clarisse riu e balançou a cabeça — E antes disso ele fala sobre a medicina e o dom de ter que se dedicar a isso de corpo e alma. Como fui idiota de não perceber? Eu pensei... pensei que ele estava apaixonado por uma mulher e por isso não poderia mais ser meu amigo. Mas é claro que ele não poderia dizer a verdade. Não. É o Carlos. Ele não pode magoar ninguém. — Ela suspirou e pôs as mãos na cintura, olhando para a imagem dos dois — Até mandou de volta a fotografia que me roubou, o que eu poderia pensar?
Henrique entregou de volta a carta para ela.
— O Padre Júlio disse que todos tinham certeza de que vocês se casariam. A Sra. Francisca ainda mais. — Ele a encarou com uma expressão investigativa — Não sente nada por ele? Ou sentia?
— Não. É claro que não. Ele era meu melhor amigo. Nunca foi nesse sentido. — Clarisse refletiu sobre e parecia relembrar algumas coisas — Carlos não é esse tipo de homem, com quem você só consegue ter um relacionamento amoroso ou relacionamento nenhum. Depois me tornei amiga de Virgínia, e... Ah, e depois veio o noivado com o Rafael, e eu não acho que ele teria aceitado tranquilamente uma amizade assim, tão próxima, com algum outro homem.
— Também acho que não. Mas agora você e o Rafael romperam o noivado... — Henrique franziu a testa para esconder a expressão de satisfação que o invadia toda vez que falava sobre ela e o Deputado terem rompido — quem sabe não possa se tornar amiga de Carlos novamente? Virgínia pode superar o ciúmes e aceitar dividi-la com outra pessoa.
— É claro. — Ela sorriu — Eu vou dizer a ele que tudo não passou de um engano, e que sinto muito pelos pais dele, é claro. Minha nossa, ele vai ficar tão triste em saber que foi por um motivo bobo desses... aparentemente evitável. — Ela olhou para o padrinho e se compadeceu, parecia exausto. — Obrigada por me contar.
Henrique balançou a cabeça e sorriu um pouco, sem querer levar créditos por aquilo. Olhou para a cama com a carta e a fotografia, e depois para ela, em seguida saiu do quarto. Era mesmo uma aflição constante criar uma garota, porque de repente nenhum homem parecia bom o suficiente, ou confiável o suficiente. Nem mesmo Carlos.
Clarisse olhou para a imagem do amigo e sentiu um aperto no peito por saber o que ele iria enfrentar quando chegasse no Brasil. Será que Ana Francisca contaria tudo? É claro que sim, ele tinha o direito de saber como os pais morreram. Mas... ele também tinha direito a uma versão melhor.
Ela sentou em frente à escrivaninha e começou a escrever. Seria sua pequena revanche contra Carlos, por tê-la deixado com um enigma impossível de ser desvendado. Ele teria agora um enigma também, que o levaria até ela. E se continuava esperto e inteligente como antes, ela sabia, não demoraria muito até que ele entendesse.
Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.