Lia estava feliz por finalmente ter retornado à Inglaterra depois de uma das turnês mais longas de sua carreira. Pensando bem, sua carreira tinha começado há apenas um ano e meio, então não havia como comparar a muitas outras turnês.
Era mesmo uma loucura esse sucesso estrondoso de Natália Valentina Martins em tão pouco tempo. Ela tinha certeza, no entanto, de que poderia se adaptar a não ter uma residência fixa, ao amontoado de pessoas na saída do teatro, a ter que ficar no hotel mais do que conhecendo as ruas de um novo país, mesmo que tivesse lá seus oitenta anos de idade. Parecia a vida que ela queria por toda uma vida.
Mas era bom voltar a Londres.
Deixou o casarão de sua tia Amy e desceu até a Willesden Lane, onde ficava sua cafeteria favorita, a qual poderia finalmente voltar a frequentar. Não haviam se apresentado desde que retornaram, estavam apenas divulgando o próximo espetáculo, então não teria problemas em ser reconhecida. Além do mais, os ingleses eram contidos, educados e refinados demais, e até mesmo os fãs não eram uma exceção a essa regra.
Ela pediu o de sempre e pegou o romance da vez para ler enquanto comia: A Vida Era Assim em Middlemarch, de George Eliot. Lia estava amando as múltiplas narrativas que se interligavam de alguma maneira, e despertou seu interesse por retratar muito a condição de mulheres do século passado, suas vidas, casamentos, ideais, religião, reforma política, educação... Enfim, ela estava completamente imersa.
Nos momentos em que descia o livro para receber seu café da manhã, no entanto, ela viu um homem na mesa ao lado, de frente para ela, esticar o jornal em frente ao rosto quase que imediatamente. Natália subiu seu livro novamente e viu, pelo canto dos olhos, ele descer o jornal e talvez olhar na direção dela. Outra vez, ela abaixou o seu livro e ele cobriu o rosto com jornal. A moça percebeu que os dois estavam quase em uma dança, uma brincadeira divertida, em que um levantava o livro e o outro descia o jornal, e vice versa.
Fez de propósito mais algumas vezes e mais rápido, até que não aguentou e começou a rir.
O homem abaixou o jornal até revelar parte dos olhos e ela se surpreendeu.
— O Senhor! — Sorriu e depois estranhou - Como sabia que eu estaria aqui?
— Ah, foi só uma imensa coincidência. — Ele abaixou o jornal por completo e sorriu também.
Natália apertou os olhos, ligeiramente desconfiada.
— Desse jeito vou pensar que está me perseguindo, Sr. Bragança.
— Jamais. — Ele tapou o rosto com o jornal novamente, fingindo voltar a ler, e falou mesmo que ela não pudesse vê-lo — Continua linda, Senhorita Martins. E continua comendo torradas francesas com frutas vermelhas açucaradas, no mesmo lugar de sempre. Não foi difícil prever onde estaria.
— Ah, — ela olhou para o próprio prato e sorriu de modo carismático, agora que sabia estar sendo vista como a "Senhorita Martins" — é bom poder voltar à minha rotina inglesa. E o senhor, sempre muito gentil, Sr. Bragança. Ah, como é bom poder falar com alguém em português. Não me lembrava da última vez em que havia pronunciado uma palavra nessa língua.
— Poderia pronunciar muitas outras, se aceitasse sair comigo. — Ele abaixou o jornal para poder encará-la ao dizer isso.
A cantora se apoiou nas próprias mãos e não se deixou ficar envergonhada pelo modo direto do cavalheiro. Pelo contrário, ela sorriu e parecia se divertir.
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Bragança & Cia
Romance[...como efeito colateral dessa brincadeira, eles acabam vivendo lindas histórias de amor. ] O cargo almejado por João de Matos Bragança era o de Senador, mas infelizmente ele e sua esposa sofreram um terrível acidente antes mesmo que pudesse inic...