Eloise Beauchamp - Apresentação

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Após alguns dias de chuva, o navio pareceu ter passado pela grande nuvem que causava aquela tempestade e os dias de sol voltaram a reinar, juntamente com parte do ânimo dos tripulantes.

— Se ficar olhando demais dá tontura. — Augusto se aproximou da beirada do navio, ao lado de Eloise. — Ansiosa para chegar no Brasil?

— Você nem sabe o quanto. Viagens de navio me cansam. — Ela suspirou — ainda com esse racionamento de comida que estamos fazendo. Veja só, estamos todos irritados, com os nervos à flor da pele, prontos para explodir a qualquer momento.

— Eu já disse que não me importo de comer a comida do navio.

— Carlos não permitiria esse tipo de coisa, Augusto. Você sabe. Além do mais, mesmo que já tenha se passado uma semana, ainda não é seguro. Não sabemos se algum barril do navio está com água contaminada.

— Mas foram pegos da mesma fonte, não?

— Você pode garantir? — Ela ergueu as sobrancelhas, duvidando. Sem respostas de Augusto, Eloise sorriu e continuou. — O último surto de cólera não tem nem dez anos, e hoje já se sabe que é passada pela água e alimentos contaminados. Carlos não quer perder mais nenhum de vocês. Ele só não previu que trariam os amigos, então são duas bocas a mais.

— Duas bocarras, você quis dizer.

Eloise riu.

— Mas tudo bem, vamos sobreviver a isso. Tem comida de sobra no Brasil, não tem?

— Tem. Muuuito mais do que na Europa. Carne à vontade... muitas frutas... tudo de qualidade. — Augusto suspirou — Apesar disso não sinto saudade da minha terra natal. Por que será?

— Era feliz na Inglaterra. — Eloise supôs. — Não tinha por que voltar.

— Hum. — Ele se encostou na barra de ferro da beira do navio e olhou para o mar — O que me garante que a comida do Brasil e a água não estão contaminadas com a cólera?

— As pessoas em volta. — Ela explicou — Se nenhuma delas está adoecendo e morrendo, então é porque não estão comendo nada contaminado.

— Hum. Isso não faz muito sentido. Como é que as coisas estão contaminadas na Inglaterra, na França, em Portugal... e no Brasil não?

— Já estiveram. — Eloise se virou para ele, interessada no assunto — Carlos me contou de um pequeno surto no Brasil. A teoria dele é de que lá as pessoas vivem mais isoladas, e em grandes centros urbanos a doença se espalha muito mais rápido. Você sabe como ela se espalha, não sabe? Carlos deve ter contado para convencê-los a comer a comida e beber apenas dos barris de água que ele trouxe, não?

— Ele deve ter dito. — Augusto passou a mão pelo pescoço — Mas pode ser que eu estivesse não muito sóbrio nesse momento.

Ela sorriu e balançou a cabeça em uma falsa reprovação.

— Pelas fezes. Ou ela contamina a água, ou pessoas com as mãos sujas acabam mexendo nos alimentos, e assim transmitem a doença. Sabe de uma coisa engraçada? O médico que descobriu isso se chamava John Snow. Infelizmente ele morreu antes de ser reconhecido. Bem, essa não é a parte engraçada.

— Eu imagino que não. — Augusto riu e ela também.

— A parte engraçada é que ele descobriu porque estava pesquisando sobre a doença em uma cidade e percebeu que perto de um poço todas as pessoas adoeciam, exceto os homens que trabalhavam em uma cervejaria. O dono informou ao médico que ele permitia que os funcionários bebessem a cerveja da fábrica, e então o tal do John Snow começou a desconfiar que a cólera poderia ser passada pela água contaminada.

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