Os primeiros dias são os piores... - parte um

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24 de agosto de 2009


Caro psicólogo pessoal disfarçado,

É isso, 24 de agosto. Para minha absoluta desolação, este dia de fato chegou. E por incrível que pareça, veio pior do que imaginara, com complicações inteiramente novas e, em múltiplos níveis, amedrontadoras para uma garota como eu, tão acostumada a manter a cabeça e principalmente as emoções no lugar.

Por volta das sete, eu já estava pronta e roendo as unhas. Tomara um café simples (meu estômago não me possibilitaria muito mais) e me arrumara à minha maneira especial: para a maquiagem, pus um pouco de lápis de olho, batom e rímel; para as vestimentas, botas até a altura dos calcanhares, jeans e um suéter, todos na cor preta.

As aulas, na realidade, só começariam às oito e meia, mas eu tinha motivos para estar de pé um pouco (ou muito) antes. Fora rabiscar um papel nervosamente, esperando uma calma que nunca veio, moro, em primeiro lugar, algo longe da escola, então eis a resposta óbvia. A outra é que gostaria de chegar um pouco antes dos outros alunos.

Verdade, eu sei, soa contraditório, mas a lógica era que quanto mais cedo enfrentasse a situação, mais rápido me acostumaria a ela, e não é exatamente esse o dito? Não é isso que sempre ouvimos em situações como essa? Tranquilizava-me minimamente, porém se a estratégia falhasse, o Plano B era entrar na sala primeiro, não sendo necessário, assim, encarar o pessoal todo de uma vez.

Na minha cabeça desesperada, tenhamos consideração, fazia total sentido. Poderia muito bem começar com aquele pequeno grupo (e quem sabe mais alguns que tivessem a mesma ideia que eu, pois precisava me prevenir) e, então, me preparar para o maior. Perfeitamente razoável, apesar dos pesares, pense bem.

Confortava-me também ser capaz de te contar tudo em detalhes depois, porque olha que oportuno: tenho uma memória auditiva surreal, muito parecida com a fotográfica, o que significa que mesmo quando não lembro muito das características de um lugar onde estive (o visual), posso descrever com uma precisão surpreendente os diálogos nos quais me envolvi. Assim, se por algum milagre dialogasse com alguém, você não perderia uma palavra sequer (justo, já que, perdão, não pude levá-lo comigo — vai que te encontrassem!).

Enfim, permita-me chegar no que provavelmente mais lhe interessa agora: o que a valer houve por lá. Deixei-o, para começar, muito apressada, visto que pelas mencionadas razões emocionais, rabiscara um pouquinho a mais do que deveria. No entanto, pude chegar no horário programado. Um pouco suada, mas quem iria perceber? Ou, ao menos, foi isso o que eu pensei...

Um grupo significativo de estudantes estava bem em frente ao principal portão do instituto. Assim que pus os pés naquela grama verde tão característica das escolas americanas, fui capaz de reparar. O QUE ESTAVAM FAZENDO LÁ ÀQUELA HORA?! É claro que poderiam perguntar o mesmo sobre mim, mas desconsidere isso. Você, pelo menos, sabe meu motivo.

Por sorte, estavam muito absortos em suas conversas paralelas ou celulares e ninguém pareceu me ver. Quase. Um determinado garoto, que segundos atrás se encontrava concentrado no conteúdo de uma porção de folhas em suas mãos, levantou os olhos e focou em mim. Primeiro, franziu o cenho, permitindo que uma ruga se formasse entre suas sobrancelhas, mas, ao fixar-se nos meus olhos, sua expressão se suavizou.

Demorou-se muito tempo ali, não deslizando os olhos para o restante de mim em instante algum, absteve-se às famosas "janelas da alma", como costumam dizer, da minha alma, e olha que estranho: não sei se meu coração já acelerado disparou ainda mais ou simplesmente parou de vez, só sei que eu paralisei. Entrei em uma espécie de transe, perdendo-me naqueles olhos que, àquela distância, mal dava para ver a cor, somente a luz.

Diário De Um Passado Iluminado | 2ª ed. | ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora