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Dizem que cada um tem a família que merece.

Não há ninguém no cemitério, não perto do túmulo vazio de meu pai.

Achei que tudo tinha finalmente passado, mas foi antes de descobrir que sua antiga mulher, a qual ele se casou, deu um golpe e abandonou o mesmo. Ele voltou a ser como quando morava comigo e mamãe, e morreu, sozinho e no frio das ruas.

Como forma de desprezo, eu poderia louvar o karma e dizer: eu te avisei.

Mas não, me sinto mal, mal por o ver acabar, e pensar que a última vez que o vi praticamente não o olhei na cara.

Nunca pude ser uma daquelas crianças que depositava e buscava todo conforto em seu pai, em vez de deixar presentes de natal ele me deixava traumas, e isso me fez ser quem eu sou, o que eu lamento muito pois é o que eu mais odeio. Todo o meu conhecimento sobre a vida, veio de tristezas e inseguranças, até quando eu era uma garota perfeita aos olhos de todos, escondia comigo um peso de que talvez eu não fosse o suficiente pra fazer meu pai bom, feliz, satisfeito com sua família.

Eu te perdoo, papai. Mas dessa vez, não porque alguém precisa que eu te perdoe, mas porque eu sinto muito e entendo que no fundo nunca foi a vida que você queria para mim. E quer saber? Mesmo com defeitos, com crises e com momentos difíceis, eu ainda respiro, e esse é um preço impagável.

Você me deixou, como fez na última vez. Mas dessa eu não posso ou quero te culpar, a morte é uma palavra que parecia tão normal e cansativa quando cheguei nessa cidade...

E agora o perco, como posso perder minha mãe, ou como posso me perder se não suportar essa estrada escaldante.

Minhas lágrimas isoladas, calmas, e terrivelmente tristes regam seu legado nesse momento.

- A terra gelada é a última sentença de todos, amém. - deixo uma última lembrança, uma rosa de pétalas pretas.

Encarei o vazio por minutos, os minutos mais longos da minha vida.

Sempre achei a morte fácil, por ser a sentença de todos, afinal, o que há de temer? Me pergunto quando ela parou de ser assim tão fácil.

Pude sentir uma presença antes mesmo de se virar, e ver que aquela cidade tinha perdido toda a cor novamente, e o filme de terror havia se tornado minha vida.

- Filha...- mamãe lamenta de longe.

Tudo que queria era correr em meio a grama e a abraçar, chorando rios. Mas não pude, não queria falar com ela desde que a imagem de minha própria mãe pagando alguém para "me colocar nos trilhos" veio em minha mente.

Então eu caminho em uma direção reta, como se estivesse em uma ponte de navio pirata, mas dessa vez, não teria "talvez", eu pularia aos tubarões, e de tão desesperada por um fim eles me rejeitariam e nadariam para longe, me deixando nas espumas de uma mar preto, salgado, fundo e terrivelmente infinito.

- Você não pode me ignorar! - me para gritando comigo.

- Para...

- Você está odiando o garoto, e apenas me ignorando, se tem alguém para culpar sou eu!

Meus olhos procuravam uma maneira de fugir, de evitar este conflito.

- Eu não...

- Eu cansei Beatrice! - suspira - Eu cansei de ser tratada como uma inocente só porque estou doente!

- Mãe, por favor...

- Se não consegue me culpar, não culpa Vicent por errar, ele te fez tão bem...

Era o último nome que queria ouvir novamente.

- Porque você o ofereceu dinheiro!- perco meu controle - Tem razão, eu não posso te odiar e te culpar, você está doente e é minha mãe! Mas se eu não culpar ele...eu vou ter que me culpar, e eu estou tão perdida e machucada que se me culpar não vou aguentar! Eu não aguento!

Minhas palavras foram o cúmulo, ela me agarrou em seus braços, e nós choramos juntas.

- Me desculpe, minha filha, me desculpe. - acariciava minha cabeça afundada em seu ombro.

A família.

Nas cinzas.

Na dor.

Na decepção.

Mesmo que não considere família.

Ela sempre vai voltar.

Pra te magoar,
Ou consolar.

A família.

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Dear diary, Vinnie Hacker.Onde histórias criam vida. Descubra agora