T6 C4: Terra de Ninguém.

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Mais um soco foi o suficiente para arrancar um dos dentes que saiu quicando feito pedra no mar. Sammy deu outro que apagou o sujeito de vez. Puxou o pano da camisa laranja como luva e forçou o dente de ouro do balofo, que sai feito uma peça de lego. Sam desmonta dele e cata o outro dente do chão.

A plateia em volta nada diz, apenas observa ele caminhar até a grade e sentar-se no banco de madeira, com as mãos nodosas tremendo como uma crise de parkinson.

Todos os enfileirados estão nus debaixo da entrada de luz branca vinda da grade. A inspeção passa verificando todos. Um guarda de boné do Patriots chega em Sammy, pede para ele erguer as mãos.

– Trouxe o que queria. - murmura Sam.

– Espero que valha a pena. Virando! - todos obedecem.

– Mão direita. - diz sobre o ombro.

Spencer leva a lanterna aos dois dentes na palma.

– O outro é de brinde.

– Rapaz. - pega a recompensa. Ilumina o dente como um minerador encantado por achar diamante. – Quantas surras foram necessárias?

– Vai cumprir sua parte? - espia sobre o ombro.

– Virando! - todos de frente agora. Eles se encaram. – Eu sou um homem justo, Samuel.

MERIDIANO

Habitado em um estádio, o Meridiano é um dos postos avançados mais rentáveis. Barracas de vendas ocupam seu interior, mulas transitam de lá para cá, música domina o dia inteiro - mexicanas, em sua maioria.

Tudo que Hannah Miles viu no caminho de entrega foram pessoas trocando coisas singelas por colares de orelhas decompostas, outro trocava um carneiro por uma mala preta volumosa. Passou por um brasileiro que resmungava enquanto costurava a nuca de uma pele de rosto.

Ela entrou por debaixo das arquibancadas. Lá o lugar é mais agradável. Pouco barulhento, calmo e limpo ainda por cima. Ela guia o carrinho de mercado cheio de cabeças rosnantes - sangue escorre pelas grades e deixa um rastro de gotículas no piso - pelo extenso corredor.

Hannah vira a esquerda e estaca assim que vê Hutchinson dentro de uma roupa de faxineiro com um boné que esconde o olho roxo. Eles se encaram por alguns segundos, pois o velho logo volta a esfregar o chão. A inglesa prossegue.

Mr. Wu decepa metade da cara do zumbi igual uma maçã. O cérebro fica exposto e ele põe a mão gorda lá dentro. Hannah assiste debruçada no balcão, a mão sustenta a cabeça. O japonês retira um pedaço de cerebelo acompanhado de um muco transparente.

– Podre. - joga fora.

– O que faz com essas cabeças?

– Não são cabeças. Mas sim o que nelas tem. Dentes, língua, orelhas, núcleo cerebal. Eu vender tudo. - o inglês do sujeito não é dos melhores, fala como se fosse um índio mas nada difícil de compreender.

– Quanto ganha?

– Mais que você. - pega moedões numa caixa de madeira, despeja tudo. – $180.

– Tá zoando? Você disse 360.

– Inglesa trazer cabeças ruins. Traga boas cabeças, dinheiro cresce.

Ela recolhe tudo encarando o chefe com desdém, sai marchando em pisões e reclama para si: como eu vou saber que a porra das cabeças são boas?

A raiva é compreensível. Ela passou horas embaixo do sol matando o máximo de andarilhos que vinham próximo ao estádio. Se empenhou tanto que suoou, até o blazer preto estava marcado nas costas com uma mancha grande, os cabelos ressecados mesmo amarrados num coque fizeram a nuca brilhar e os óculos foram guardados por escorregar a todo momento do nariz.

After The World (PAUSADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora