A carta

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18 de novembro de 1990

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Um dia de domingo ensolarado. O jardim estava alegre, as plantas refletiam um verde admirável, as crianças brincavam ao lado de fora. O sonho de Estér, Jully ainda cresceria e se tornaria uma criança comum, feliz, sorridente e esperta. A paranoia de Estér crescia a cada dia. Ver a filha sempre cabisbaixa a partia o coração. 

A família toda estava na cozinha. Estér preparava o almoço especial de domingo. Breno "brincava" com Jully, tentava de tudo, mas a pequenina não mudava o humor. Estela lia os jornais, especificamente na parte de propostas de emprego. 

-Uau... Secretária da Tim Hortons, no departamento daqui de Shadowcity? Parece ótimo. Eles exigem ensino fundamental completo, inglês básico, e experiência profissional no ramo. -Falava alto para que todos ouvissem que ela estava interessada.

-Que incrível Estela, mas você não acha desnecessário? Logo mais você vai voltar para New York. Vai ter que abandonar o emprego! -Estér desconfiava da irmã. Uma desconfiança justa, Estela queria sim morar com eles por tempo indeterminado.

-Não foi você quem falou que eu era de casa? Só estou querendo ajudar nas despesas. Não é legal isso? Vou morar com vocês, vai ser fantástico. -Estela parecia empolgada demais com a ideia.

Estér não podia expulsar a irmã de casa. Ela apenas suspirou e continuou em silêncio. Que foi quebrado com batidas na porta. 

Breno parou a brincadeira com Jully e foi ver quem era. Um homem segurava uma caixa com alguns buracos, entregou-a a Breno junto a um papel que ele precisava assinar. 

-Ah... Ele chegou! -Todos os olhos voltaram-se para Estér. 

-Ele quem? -Estela estava curiosa.

-Tem alguma coisa viva aí dentro. -Breno apoiava a caixa no chão com cuidado.

-Apresento-lhes o mais novo integrante da casa. -Estér aproximou-se de caixa e retirou a tampa. -O Jack.

A casa parou novamente. Estavam todos boquiabertos com a surpresa, um cachorrinho dormia na caixa. Era um filhote de Pug. 

-Ele chegou bem na hora do almoço, que sortudo, fará sua primeira refeição em família.

-Estér você está com algum problema? -Breno era o mais surpreso no momento.

-Lógico que não. Eu prometi pra mim mesma que faria alguma coisa para não deixar nossa filha tão sozinha.

-Comprando um cachorro? -Atirou-se Estela. -Um animal que vai correr pra lá e para cá, vai bagunçar tudo. E o mau odor então? Você está mesmo preparada para ter mais um "filho"? -Ela fez o sinal das aspas com os dedos.

-Eu pensei nisso tudo, por isso escolhi um Pug. Ele é calmo, dócil, fofo e  gosta de criança. -A mulher gesticulava enquanto contava as qualidades do animal. 

-Tudo bem querida, eu respeitarei sua decisão. Sei que é oque você acha melhor para a Jully. Mas acho que você esqueceu de um pequeno detalhe.

-E qual foi? -Estér parecia furiosa. Sempre interferiam em seus planos. Sempre a contrariavam.

-Sua irmã está a procura de um emprego, isso significa que você vai estar sozinha novamente em casa.

 -Eu darei conta do recado, como sempre fiz. Não precisa se preocupar.

-Não foi essa a impressão que eu tive quando cheguei aqui ontem. -Estela continuava com suas agressões nos sentimentos da irmã.

Estér suspirou. E perguntou. -O que você quer que eu faça então?

-Bem, ultimamente você parece estar muito cansada, ocupada demais, exausta demais. Você sabe do que eu estou falando... -As noites do casal já não eram mais as mesmas de antes. Depois que Jully nasceu Estér não tem mais tempo para momentos a dois com ele. Breno estava se cansando disso tudo. -Por isso, eu queria propor uma alternativa. Uma condição na verdade.

-E qual é?

-Iremos contratar uma empregada! -Olhando nos olhos da esposa proseguiu. -Essa é a condição para termos o Jack como parte da família.

-Tudo bem. Se é assim que quer...  -Estér náo implicou. Ela sabia que precisava de ajuda.

-Gente, vamos comer? -Estela que antes ajudava a deixar o clima tenso, agora queria desfazer o feito. 

Estér puchou com o pé um prato plático atrás do balcão da cozinha. Tinha o formato de uma pata cartoonizada. Era a comida do pequeno Pug.

-Agora que todo mundo está servido, eu declaro o ataque autorizado... -Breno descontraio com um tom animado. 

(...)

Mais tarde, todos estavam na sala assistindo filme. Jully acariciava o filhotinho, estava até com um sorriso no rosto. Sinal que a ideia havia funcionado. 

-Tatata... - De novo aquele barulho que toda criança faz quando começa a aprender a falar. Fazia alguns dias que não reproduzia ele. Neste momento ela parecia ter esquecido o animal. Gesticulava e apontava para ninguém aparente. Aquilo era motivo para preocupação? Etér observava os movimentos da menina. O ato era inocentemente estranho.

-Eu não sei onde fica essa agência da Tim Hortons. Onde fica a Avenida Sweet Coffee? -Estela ainda olhava os jornais.

-Perto do Mercado Big Box. Estava pensando em passar lá para comprar algumas coisas. Posso te mostrar onde é se quiser. -Ele estava querendo ser apenas gentil? Não foi isso que passou pela cabeça de Estér. Ela estava começando a desconfiar do marido. 

-Se não for incomodar...

-Claro que não, faremos um único percurso. 

-Traga uma maionese, acabou a da geladeira. 

Breno confirmou com a cabeça e chamou Estela para irem antes que o mercado fechasse. Saiu sem ao menos dar atenção a esposa. Ele sempre dava atenção. Algo estava mudando e Estér percebeu.

Minutos depois a campainha tocou, Jully tomou um susto com o barulho e começou a chorar, Jack a acompanhou até a porta e viu uma carta no chão. A mulher abriu a porta para ver quem havia jogado a carta, mas não viu ninguém. A carta era pra ela própria. Alguém havia esperado todos saírem para fazer aquilo, pois no papel dizia, abra em segredo. E ela o fez.

Jully [COMPLETO] {Reworking}Onde histórias criam vida. Descubra agora