Estér acordou

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Estér olhou para a filha com temor, mas ao mesmo tempo com reconhecimento. Assim como estava escrito na carta, ela não poderia negar o que está por vir. Agora mais do que nunca é hora de compreender a menina, de ajuda-la. O momento é de libertação, de expurgação do interior, algo privado de Jully, mas ao mesmo tempo inevitável.

A mulher aproximou-se da filha e a tomou no colo, começando uma seção solitária e maternal de caricias, cafunés, e todos os tipos de habilidades que toda mãe tem ao ver o filho num momento de dificuldade.

Ao mesmo tempo em que "cuidava" da sensibilidade da criança, Estér não parava de imaginar todas as outras palavras contidas no papel, assim como não entendia como a pessoa sabia tanto sobre a vida dela. "Sei mais sobre você e sua família do que você mesma". Lembrou repentinamente. A teoria que tinha para si mesma, era que o responsável, ou, a responsável, era alguém de dentro da casa. Que teria acesso a tudo. Sobrava então duvidas em Breno e Estela, os quais andam muito estranhos ultimamente.

Esses pensamentos a levavam a questionamentos, decisões, tristeza, mas nunca a uma verdade. Nada parecia se encaixar, não poderia ser Breno porque se fosse ele, não saberia sobre a verdade de Jully, e nem poderia ser Estela, ela não teria motivos para mandar bilhetes como quem tem medo de "dar a cara a tapa". Do jeito que ela é falava na cara sem medo e repulsa. Não havia lógica, ninguém falaria mal de si mesmo. Mas também havia Úrsula, só que as cartas começaram antes dela chegar. Todos pareciam suspeitos, no entanto, todos demonstravam inocência.

Em meio a tanta coisa, Estér estava realmente sozinha, sem amigos, sem família. Restava-lhe confiar na ajuda exterior, mesmo que não a conheça, é o único refúgio que possuía. Embora esperasse o psicólogo, um novo que Breno contratou. A solidão a dominava a ponto de confiar em estranhos. Além do mais, os que ela achava conhecer são os mais duvidosos.

Já passavam das três da tarde, e o psicólogo não havia mostrado o rosto. Por um lado era bom. -Pensava Estér. - O dia foi exaustivo, não teria cabeça para conversar com alguém que só quer me ouvir, que não vai me aconselhar em nada, que não vai me ajudar a tomar nenhuma decisão. Só vai me proporcionar o desabafo. -Ela percebeu que Jully havia dormido em seus braços, deixando uma lagrima escorrer ao perceber.

-Somos só eu e você. -Sussurrou aos ouvidos da filha.

A campainha tocou, quando já não restava dúvidas da aparição do fardo do psicólogo. Más é como dizem, que está vivo sempre aparece.

-Boa tarde. -Estér cumprimentou o homem com um aperto de mão. O homem soltou um sorriso meigo e exuberante.

-Boa tarde senhorita. -Respondeu o homem que tinha idade de ser o marido dela.

Na situação dela, um amor seria loucura, ou não? Todos não temos o direito de nos permitir amar alguém? O rapaz era vistoso e a atraia, mas não era alguém que ela queria ter como esposo. Ainda mas na situação dela, a de já ter um. Mesmo que o casamento esteja em cima do muro, era simplesmente a sensação que mulheres têm ao ver um homem pela primeira vez. Embora essa impressão pudesse ser contraria se ele não fosse apresentável.

-Entre por favor. -O convidou para entrar, e o levou até a sala, permitindo-o sentar na poltrona, e ela no sofá em frente.

-Bem, devo começar me apresentando, meu nome é Aldo Martins, tenho trinta anos, e os restante não importa. -Estér riu sorrateiramente. -Estou aqui por indicação de Úrsula, ela me contou que seu marido a perguntou se ela conhecia alguém, por isso estou aqui.

Estér ficou confusa por um momento. Mas não hesitou em fazer perguntas.

-Doutor, você sabe o motivo do outro psicólogo não continuar? -Segundo depois percebeu o valor que a frase poderia ter aos ouvidos de Aldo. Concertando-a antes de qualquer aborrecimento por parte dele. -Não que eu esteja desejando que ele volte, mas é que ninguém me explicou nada até agora, é só curiosidade mesmo.

-Não se preocupe, sou um psicólogo, não devo julga-la por nada. -A impressão de um bom profissional começou ali. -Seu antigo tutor precisou fazer uma viagem de emergência para o Afeganistão. Pelo oque sei algo relacionado a familiares. Tanto quanto você, não sei de muita coisa.

-Tudo bem, suas palavras já me aliviaram um pouco.

-Que bom. Mas então, vamos começar? -Estér engoliu a seco, e afirmou com a cabeça. -Primeiramente quero dizer que não precisa ter vergonha de mim, nada que você falar será repassado para outra pessoa, segundo, fale somente verdades, e com detalhes, tente não omitir nada, a não ser se for falar mal de mim. -Aquilo foi hilário para Estér, ela não conseguiu segurar o riso. -E terceiro, sou seu amigo de hoje em diante. Confie em mim que confiarei em você, e seremos felizes para sempre.

-Tudo bem. Estou acostumada com psicólogos lembra?

Em perguntas pessoais do tipo que melhores amigos não fazem, e de respostas sinceras e deprimentes do tipo que não se fala nem mesmo em confissões da igreja, a tarde se foi.

A seção durou duas horas, tempo suficiente para que o rapaz soubesse totalmente a situação de Estér, de como ela estava olhando o marido, e de sua desconfiança irracional em Estela. O duro foi ouvir que aquilo poderia ser resultado de stress, deixando-a num empasse. Em vez de ajudar o psicólogo só veio para enchê-la com mais duvidas.

-Até a próxima seção Estér, foi um prazer te conhecer.

-Até doutor. -Falou fechando a porta atrás do homem.

Todas as horas conversando com ele, não valiam mais que as simples palavras da carta misteriosa.

Eram cinco da tarde, antigo horário em que Breno voltava para casa. Agora ele voltava ás sete, assim como Estela que conseguiu um novo emprego. Os dois estarão em casa no mesmo horário provavelmente.

Que estranho! -Pensou Estér. -Primeiro Estela decide ter um emprego exatamente no horário em que Breno viria pra casa. Diria que ela estaria querendo evita-lo. Mas Breno Aumentou a carga horária justamente na quantidade de horas que ela trabalha. Então eles estariam se encontrando?

Estela começou a enxergar oque às cartas vinham lhe dizendo. Era isso! Breno e Estela estavam tendo um caso. Bingo, tudo se encaixava, o motivo para estar tão afastado, o motivo de ele estar de segredinhos com Estela. Era isso!!!

-Meu Deus do céu! Como fui burra este tempo todo. -A mulher estava aos prantos. -Como não desconfiei?

Jully acordou chorando, interrompendo então o momento solitário de tristeza da mãe, tornando o choro um momento a ser compartilhado uma com a outra. Esta foi a impressão que deu.

-Investigarei e encontrarei provas. Se eu estiver certa, não serão dez anos de casamento que me farão mudar de ideia. O casamento já acabou mesmo...

Jully [COMPLETO] {Reworking}Onde histórias criam vida. Descubra agora