Um

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O príncipe endurecia seu coração a cada galope do cavalo, ignorando o vento forte que açoitava seu cabelo louro. O dourado do sol se mesclava com os fios claros de sua cabeça, os olhos perfeitamente azuis não se desviavam da caixa enorme. Ao chegar em seu destino, ele desceu com graciosidade do animal enorme, e tratou de levar a caixa para dentro. Tão grande quando devia ser para caber um homem de um e oitenta de altura, feita do único material que poderia inibir poderes até onde eles sabiam. Metal. O garoto ali dentro se recusava a gemer de dor, mesmo quando seus pulsos e tornozelos foram perfurados e acorrentados com aquele material, mesmo quando o metal atingia sua magia com força. Até mesmo Brank podia sentir, o poder do jovem clamar por ajuda.

Ele percebeu que o garoto era como Kafenia, jamais cedia. O tipo de pessoa que não se importava com o que fosse feito a si mesmo, mas se algo acontecesse com alguém que ama... seu plano era brilhante. Sim, Brank sabia que jamais poderia matar Kafenia, não diretamente. E aquela era a primeira vez que sentia um gosto tão bom na boca, a vitória por ter quebrado sua não irmã pela primeira vez.

— O que é isso?

Os soldados deixaram a caixa dentro do quarto do príncipe, onde o outro príncipe por algum motivo o esperava de braços cruzados.

— O que está fazendo Brank?

O mais velho ignorou, passando os dedos longos pelas figuras talhadas no ferro da caixa, ele cantarolou. Suas sombras tremularam em resposta, se afastaram do metal que as repelia. Brank deu um sorriso satisfeito, aquilo era bom. Axel, que ainda não havia saído do quarto, se aproximou da caixa, um pouco maior que ele, e estendeu sua mão para tocá-la. Quando o mais novo sentiu, o impulso repulsor de magia, deu um pulo tão desesperado para trás, que bateu as costas contra a mesa de centro do quarto.

— Brank. O que é isso?

Axel começou a massagear a mão direita com a esquerda, seus olhos incapazes de se desviar daquele caixão. Ele sabia que tinha alguém lá, só não tinha certeza de quem ainda.

— Legal não é? Eu que criei. Para Kafenia.

Pela primeira vez desde que foi pego, Dalibur se mexeu contra a caixa. Seu corpo estava encolhido no que deveria ser o chão daquela coisa, sua consciência ameaçava o deixar, mas ele ainda podia ouvir tudo. E escutar aquele nome, era como direcionar um farol para seus olhos, confuso, angustiante e libertador.

— Mas não é ela quem esta aí. — Axel presumiu.

O peito do irmão mais novo se apertava a medida que ele analisava a caixa. Não haviam trancas ou fechaduras, parecia um confinamento sem chance de fuga. Mas Brank estendeu os dedos pálidos e ossudos para a caixa, e suas sombras se agarraram às laterais de ferro. Uma das tampas caiu, juntamente com o queixo de Axel ao presenciar a cena.

O garoto estava encolhido, enrolado nas correntes, com sangue escorrendo pelos braços. Ao mesmo tempo, sustentava o ferro pesado que estava fincado em sua cabeça, descendo da testa ao queixo, cobrindo os dentes e nariz, apenas os olhos para fora, uma espécie de mordaça cruel. As mãos estavam presas por manoplas de ferro, e Axel nem tentou entender por que sangue carmesim saía delas. Os pés do garoto estavam presos com grilhões que entravam fundo em sua pele, seu corpo quase nu pelos trapos que vestia, tremia de frio e dor. Axel nem sabia o que dizer.

O príncipe estava prestes a reclamar, ou jogar seu poder contra o irmão, pensando em uma forma de tirar aquele pobre garoto dali sem o prejudicar, quando o mesmo ergueu os olhos. Axel sentiu por um segundo, que não sairia do lugar. Aquele verde intenso com o fio dourado, a rodela de ouro puro que contornava suas pupilas, os cílios longos que cobriam, simplesmente... a paz. O garoto tremia de frio, não de medo. Seu poder havia sido arrancado, seu corpo violado, e ele ainda emanava paz. E... diversão.

Axel se aliviou levemente. Naquele momento, percebeu que Brank se decepcionaria. Porque assim como Kafen, ele não seria quebrado tão facilmente.

Brank caminhou até a pequena mesa de seu quarto, e se sentou na cadeira única, observando sua captura. Ele costumava caçar com Axel quando era pequeno, mas somente quando passou a fazê-lo sozinho, aquilo havia ficado interessante. Seu irmão matava a caça, uma morte indolor, e a entregava aos aldeões mais necessitados. Axel nunca o entendeu, nunca sentiu o mesmo que ele ao tirar a vida dos animais que ousavam atacar, não era o tipo de garoto que imaginava rostos ao caçar. Mas ele imaginava. O rosto dela invadia sua mente, todas as vezes que ele sentia o sangue quente manchar suas unhas.

— O que vai fazer com ele?

Axel tentava respirar normalmente, mantendo a postura diante do irmão. Ele tentava não demonstrar nenhuma espécie de fraqueza na frente de Brank, mas as vezes era impossível. Ainda mais diante do sorriso sarcástico que pintou os lábios do príncipe.

— Ah meu irmão... — Sua voz se tornou grave no quarto escuro. — Você não quer saber.

A porta do quarto foi escancarada, por Elize. A princesa ignorou o olhar de advertência de Axel, e invadiu o quarto de Brank. Seus olhos paralisaram no garoto abaixo, no sangue, na pele dilacerada. Culpa a invadiu, porque ela sabia bem que o que Brank havia feito com sua própria irmã, não era muito diferente. A princesa se ajoelhou diante do corpo fraco do jovem garoto, e estendeu as mãos para ele. Elize não conseguiu tocá-lo, porque Brank a puxou dali com apenas um dedo.

— Onde está ela? Onde está minha irmã?

A princesa perguntava desesperada, mesmo sabendo que o pobre garoto não tinha como responder. No fundo de si, ela esperava que ao menos ele desse algum sinal, uma piscadela, um inclinar de cabeça, qualquer coisa que indicasse que ela estava bem. Culpa, bruta e sólida consumia a princesa, por estar ali. Por ter deixado que sua própria irmã fugisse desamparada naquela noite escura, sem nenhuma ajuda.

— Está viva. — Foi Brank quem respondeu, tentando ignorar o suspiro de alívio da irmã.— Por enquanto.

Elize não pôde medir o nível de crueldade nos olhos de Brank quando ele disse aquilo, e as lágrimas que havia segurado, rolaram por sua bochecha.

— Podem sair? Aqui ainda é meu quarto.

Axel envolveu a irmã em um abraço para sairem, mas antes, ela olhou uma última vez para o garoto. Os olhos pacíficos se derreteram diante dela, e algo em sua mente mudou. Foi como uma dor de cabeça leve, misturada com a sensação incrível de enfiar uma mão inteira em um saco de feijão cru. Foi o que ela sentiu quando o verde e dourado dos olhos de Dali encontrou o turquesa celeste de Elize.

Ela vai ficar bem.

Ela podia ter jurado que o ouviu dizer.

O príncipe das sombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora