Vinte e um

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Três semanas no mar, curaram parte do coração daqueles jovens. Diferente do que Kafenia imaginou, sua paciência não aproximou Dalibur, apenas acabou o empurrando para sua irmã. Mas em compensação, ela e Milo estavam cada vez mais próximos, usando as tardes ensolaradas para treinar e as noites estreladas para jogar conversa fora no convés. Nem a gororoba que eles comiam todos os dias tiravam a ansiedade que se alastrava no peito da princesa a cada metro que eles se aproximavam da ilha. A ilha da sua tia. Hakon passou as três manhãs que antecederam o desembarque deles tentando ensinar Kafenia o máximo que sabia sobre aquele pedaço de terra. E quando seus braços se cruzaram ao redor do copo e suas botas atingiram o chão em um pulo baixo na terra firme, ela sabia o suficiente.

Um reino congelado, quase toda a população controlava alguma magia que tinha que ver com gelo ou ventos, uma nação próspera em tudo o que esquentava. Sua tia na verdade era prima de sua mãe, mas cresceram tão próximas que todos as consideravam como irmãs. Aos dezesseis anos Yelena se apaixonou pelo herdeiro do trono de um pequeno aglomerado de ilhas, não considerado um reino grande mas uma extensão do território branco. Assim foi contra a vontade dos pais esse casou, dando a luz a um menino dois anos antes de Kafen nascer. Por conta de sua grande decepção aos seus pais, Yelena foi banida do reino branco para sempre, não podendo voltar nem quando o assunto era a segurança de sua prima. E por isso Kafenia iria até ela.

O barco atracou pouco antes do meio dia, mas o sol queimava intenso nas costas de todos eles. Elize precisou se apoiar em Dalibur para caminhar até a sombra mais próxima, o choque da temperatura surpreendendo a todos eles. Afinal, aquele reino era conhecido como "reino congelado". A partir dali eles se despediram e agradeceram ao capitão e marujos do navio, e se distanciaram até o porto do primeiro vilarejo. De longe a diferença daquele povo era nítida, a postura leve e os sorrisos sinceros. A população do reino vermelho parecia um bando de esculturas na pedra perto daquelas pessoas leves.

Era assim que todos eles se sentiam, leves. Caminhando pelas ruelas o grupo observou a feira que ocorria no momento, as pessoas interagindo e os alimentos exóticos. E quando Hakon se aproximou de um jovem garoto de cabelos negros que sorria para ele, todos foram junto.

— Olá, boa tarde. Será que poderia me ajudar a encontrar o castelo da rainha?

Como um passe de mágica, o sorriso do garoto sumiu, e com um suspiro exasperado as pessoas ao redor se calaram. Em segundos Kafenia sentiu que até os animais prendiam a respiração, esperando. As pessoas pareciam assustadas, aquela alegria não passava de uma lembrança. Com o silêncio pesado sobre eles, todos puderam ouvir nitidamente os passos rígidos de alguém se aproximando. Kafenia se encolheu dentro do capuz, logo ao lado de Axel, que passou um braço pelo seu corpo para protegê-la.

— Quem quer saber?

Uma garota alta com longas tranças prateadas se aproximou do grupo, roupas finas de couro e as mãos paradas na cintura do corpo perfeito, o rosto parecia esculpido em mármore branco e os olhos de um castanho vibrante os paralisava com perfeição. Aquela era a garota mais linda que Kafenia já havia visto. Sua beleza, nos traços e no jeito, fazia Elize parecer uma simples qualquer em termos de formosura.

— Não vão responder? — A garota provocou.

Foi Milo quem tomou a frente, depois de perceber que seu irmão responsável havia ficado encarando aquela garota por prováveis cinco minutos inteiros sem parar.

— Nós queremos.

A alta menina levantou uma sobrancelha escura, ficando indiscutivelmente mais linda. Kafen se sentia um pedacinho de nada diante dela. Como alguém podia ser tão lindo? Aquilo era uma injustiça dos deuses.

— E posso saber quem diabos são vocês?

Tomando uma coragem que Kafenia meses atrás se negaria a tomar, ela puxou seu capuz para baixo. E em alto e bom som, disse:

— Eu sou a princesa Kafenia Ebwuk do reino de Jasper, e exijo falar com sua rainha.

Kafen esperou por uma risada alta, um revirar de olhos, ou qualquer coisa que indicasse que aquela garota não acreditava nela. Afinal, se esse fosse o único passo para reclamar um trono, o mundo seria um caos. Mas ao invés de acontecer qualquer coisa que aquela pequena princesa tinha esperado, a garota a sua frente ficou seus olhos na mecha branca de seu cabelo. Branca não, prateada. Algo pareceu brilhar no fundo dos olhos amendoados daquela garota, e a situação mudou.

— Venham comigo.

E em outro passe de mágica, as pessoas ao redor desviaram sua atenção deles, voltando a suas atividades, se concentrando em si mesmas. Kafen foi a primeira a se mexer, com medo de aquela autoconfiança se tornasse algo ruim, ela seguiu a garota pelas ruas para longe, onde o movimento de pessoas era mínimo. Ninguém disse uma palavra, apenas passos eram ouvidos ali. A garota só parou quando eles se depararam com três carruagens estacionadas no canto de uma rua deserta, com seus cocheiros do lado de fora, e alguns guardas de braços cruzados ou lanças nas mãos. Todos eles vestiam uniformes com o símbolo da ilha, a extensão de poder do reino branco, o sol albino.

— Meu nome é Galenia. Mas podem me chamar de Gal.

Milo franziu as sobrancelhas, e com a desconfiança rotineira questionou aquele nome.

— Galenia? Parece com...

— Kalenia? — A garota completou. — Sim, porque meu nome é uma homenagem à ela. Minha mãe não sabia que Miterntor faria sua mãe trocar seu nome de registro pelo que ele a chamava.

Aquilo ficava cada vez mais esquisito. Como aquela garota sabia tanto sobre Kafenia e sua família? Até mesmo o nome de seu irmão? Algo pareceu se esquentar no interior de Kafen, a emoção sem dar lugar ao medo.

— Galenia. Quem é você?

O olhar da garota se suavizou sobre eles. Um suspiro fraco e um dar de ombros, logo ela já estava explicando:

— Sou sua prima princesa. Segunda filha da rainha Yelena.

O príncipe das sombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora