Catorze

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Kafenia não conseguia se lembrar da última vez que havia chorado. Mas definitivamente, nenhuma das vezes havia doído tanto. Ela não fazia ideia do porque, um bastão de ferro quebrando sua coluna ao meio doía menos que o olhar no rosto de Dalibur. Abraçada aos joelhos na grama coberta de neve, a princesa chorou por ter quebrado aquele coração. Algo que jamais poderia ser remendado, ou ao menos era o que ela pensava. Sem se importar com o frio, ou com os passos que ouviu se aproximarem, ela chorou silenciosamente, sendo seus soluços os ruídos mais altos que ela se permitia emitir.

- Princesa?

Meri abaixou a cabeça em reverência, mas não permaneceu quando a princesa ergueu seu rosto vermelho inchado e encharcado pelas lágrimas. A garota se sentou no chão bem na frente de Kafenia, e ofereceu seu ombro amigo.

- O que houve? Precisa de ajuda?

Kafenia não sabia o que dizer. Nem ela mesma entendia direito tudo o que tinha acontecido nos últimos dias. Mas tentou explicar. Ao menos para tirar aquele fardo dos ombros.

- Eu estava tão acostumada com a forma que era tratada no castelo... que negligência e desprezo eram as únicas coisas que eu conhecia. Elize e Axel não me maltratavam, mas também... nunca foram ao meu favor. Acho que quando os meninos entraram na minha vida, eu não soube lidar. Milo parecia intrigante, Hakon era confortável, mas Dalibur... Dalibur me fazia sentir viva. Ele me fazia rir, e meu corpo tremia quando ele me tocava sem querer. Sempre pareceu se importar comigo, e quando se foi... acho que foi só aí que percebi o quanto gostava dele. - A princesa fez uma pausa para respirar. - Mas aí eu beijei Milo. Não sei porque, me parecia... certo na hora. Minha cabeça idiota achou que eu precisava daquilo, mas quando Dali voltou... eu só queria desfazer tudo. Só queria ao menos ter gostado de verdade de Milo, pra que não fosse tão em vão. Agora eu sou um monstro porque magoei duas pessoas incríveis, que jamais vão me perdoar.

Meri tentava absorver as informações jornadas em seu colo enquanto a princesa se acalmava. Ela nunca pensou que veria Kafen assim, tão... humana. De fato era a princesa mais diferente que conhecia, uma mulher que se permitia estar exposta apesar dos perigos. Ela não tinha medo do que Meri poderia fazer com esse tipo de informação, ou não se importava. Kafenia parecia anestesiada.

- Como vou governar um reino, se não sou capaz de reter meu coração?

Meridwen precisava parar aquele tipo de pensamentos naquele exato momento. E foi exclusivamente por isso que seus modos não interferiram em suas ações seguintes. Meri tomou as mãos trêmulas da princesa com confiança, e deixou o próprio tremor de lado quando encarou-a fundo nos olhos.

- Não te culpo por ficar indecisa entre dois homens incríveis princesa! Você é humana, qualquer um cometeria erros em uma situação assim. Não tinha como todos sairem intactos, incluindo você nisso. E quer saber? Acho que seu povo, nosso povo adoraria ter uma rainha como você. Uma rainha forte e poderoso, mas acima de tudo, uma rainha humana. Uma rainha que passou por tudo na vida sozinha, e suportou até o último segundo sem ser quebrada. É essa rainha que eu quero, e que sem dúvidas Hakon e os outros querem também.

Um sorriso fraco iluminou o rosto de Kafenia, misturado com as lágrimas que ainda rolavam pelo seu rosto.

- E quer saber? Dali pode estar chateado, você cometeu um erro. Mas eu nunca vi ninguém olhar pra alguém como ele olha pra você. Vocês tem algo especial. E não pense em tentar gostar de Milo pra não magoar alguém. Milo mataria por você, mas Dali? Ele viveria por você e seu reino. E isso é sem dúvidas muito mais difícil.

Aquela frase final pareceu se encaixar definitivamente na cabeça de Kafen. Algo que ela não via, se expandiu diante dos seus olhos e finalmente fez sentido. Era isso. Era o motivo por trás de sua necessidade física. Mi,o era um amplificador. Por isso se tornou tão irresistível para ela, Lara seu poder. Brank também havia sido seduzido. E toda a atração que ela sentia por aquele garoto simplesmente sumiu, quando Kafen entendeu o motivo.

— Acha que ele vai me perdoar?

Medo genuíno brilhou nas pupilas da princesa naquele momento. E Meri se perguntava como, pelos deuses, como aquela garota ainda era humana depois de tudo o que haviam feito a ela.

— Acho. Mas tem que dar tempo a ele.

O sol começava a se por em um lindo laranja no horizonte, fazendo Meridwen entender sua deixa. A garota se levantou do chão, e estendeu a mão para Kafen. Com um aperto mais forte do que ela previu, a princesa se levantou, e as duas caminharam lado a lado até o acampamento. Kafenia não escondeu o rosto vermelho ou tentou disfarçar a dor que sentia. Ela não era uma mentirosa, tinha escondido coisas por tempo demais. Hakon rapidamente ofereceu um espeto de carne assada para a amiga, mas ela recusou. Seu estômago se embrulhava só de pensar naquela carne. Ela só queria descansar antes da caminhada intensa que eles teriam dali alguns minutos. Dali encarava apenas as próprias mãos enquanto arrancava a grama do chão, fazendo qualquer coisa que o distraísse da situação. Milo não estava, e nem Elize, mas como Axel parecia tranquilo Kafen também não se importou. Ela se recostou de costas para as costas de Hakon e encarou as estrelas até que sua irmã chegasse.

Elize surgiu do oeste da floresta, o macacão novo que Milo havia feito com os tecidos de seu antigo vestido completamente sujo de terra. Seu cabelo estava completamente desgrenhado e o rosto corado. Uma interrogação ficou explícita no rosto de Axel quando se aproximou da irmã, mas uma desculpa escapou da boca dela, rápido demais.

— Eu estava correndo. Cai em um buraco e rolei para longe, sorte que Milo me ouviu gritar.

Como se invocado pelas palavras de Elize, o exato Milo surgiu da floresta atrás dela. Hakon pesou o olhar sobre ele, tão intensamente que Meri sentiu sua coluna tremer. Hakon não era mais tão magro e fraco quanto ela se lembrava. Parecia até... maior.

— Deixa eu adivinhar. — Ele diz. — Você rolou também?

Hakon debochou das manchas de sujeira do próprio irmão, e este corou.

— Só ajudei ela. Nada mais.

Hakon revirou os olhos. Kafen sabia o que estava por vir, e por sorte não chegou a acontecer. Dalibur se levantou e pegou os suprimentos improvisados e limitados que eles tinham, e disse :

— Vamos.

Hakon não teria saído do lugar se Kafen não o tivesse puxado, Meri atrás para ajudar. O grupo seguiu seu caminho pela floresta, sem saber que deixavam um enorme rastro de magia por onde passavam.

O príncipe das sombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora