Doze

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Hakon precisava dar um jeito naquela história. Mesmo que Kafen o odiasse, a herdeira branca precisava chegar inteira em seu reino. Eles tinham quatro dias até que os portos fossem fechados, uma longa caminhada pelas montanhas e três pessoas que não faziam ideia de como usar a própria magia, além de outras três que simplesmente não tinham, e uma que, bem... Hakon não sabia exatamente o que era o poder de Elize. Ao contrário do que Hakon pensava, Milo não partiu pra cima do irmão quando descobriu o que haviam feito. Foi pior. Ele simplesmente avisou que iria caçar, e sumiu pelas árvores altas e sem folhas. Dalibur não entendeu o que havia ocorrido, e só contaram à ele o que sabiam até ali. Que ele de alguma forma havia acordado o poder de Kafen, e ela por sua vez, curara ele.

— Como, pelos deuses, vocês viajaram durante uma semana sem suprimentos?

Elize ajudava Hakon a juntar pequenos galhos para a próxima fogueira, já que eles tinham combinado não passar por cidades. Milo realmente trouxera dois lobos enormes para o jantar, então o fogo era sobrevivência. Eles já sabiam que se Brank quisesse os encontrar, ele o faria. A pergunta era... por que demorar tanto?

— Viajamos sem suprimentos por quatro dias. Isso porque quando seu irmão nos encontrou, estávamos ocupados demais fugindo para reparar nos pedaços de carne seca e água faltando.

Eles tinham deixado mochilas e cobertores para trás. Despreparados para o frio brutal que se seguiu.

— Kafenia caminhou sem comer ou dormir por três dias sem parar, até encontrarmos as carroças que nos levaram para perto do castelo. Nenhum de nós teve a honra de suprimentos.

Elize engoliu em seco quando a voz fria de Hakon a paralisou, diferente da doçura que ela via quando ele estava perto de sua irmã. Tinham poucas pessoas que ele desprezava no mundo, mas as que mereciam esse sentimento, jamais conheciam o doce Hakon. Sua frieza podia ser quase tão dura quanto a falta de educação de Milo. E ele odiava admitir, mas ver Elize desconfortável era bom pra compensar as vezes em que ela havia se feito de cega diante de Kafen.

— Eu não... quis ofender.

Hakon era uma pessoa observadora. Cresceu silencioso no castelo, sem mencionar a morte da irmã ou sua missão para ninguém mesmo com pouca idade. Por isso, ele sabia exatamente o que estava acontecendo ali, o quadrado amoroso que atrapalharia completamente sua missão principal. Ele queria ser sincero, e dizer a princesa que Dalibur estava apaixonado por Kafenia, mas se Elize tivesse uma chance... ajudaria Kafen a se concentrar no que precisava.

— Vejo como olha para Dali. — A princesa corou. — Meu irmão gosta de você só não... dessa forma.

Hakon precisava ser sincero. Dalibur estava cego aos sentimentos de Milo, e talvez aquela princesa pudesse ajudar. Mas sendo sincero... ele não sabia se apoiava aquela garota perto dele. Os dois juntaram mais um punhado de gravetos e voltaram para o acampamento, onde Milo improvisava duas bolsas com pele de lobo para guardarem as poucas coisas que tinham. Kafenia ainda dormia no colo de Axel, Dalibur rondando a garota como se um perigo iminente pudesse ocorrer em qualquer momento.

O grupo terminou de ajeitar as coisas, e então partiram. Axel não permitiu que ninguém mais carregasse sua irmã, Hakon sabia que era a culpa por não ter protegido-a antes. Sem saber ao certo se daria tempo de entrarem em um barco antes que os portos se fechassem, eles seguiram em frente, colocando o máximo de distância possível entre eles e Brank.

Um dia e meio se passou, e na noite do segundo dia, eles montaram uma fogueira no meio da montanha. Com a magia de Dali era mais fácil, e assim todos se juntaram ao redor. Elize se sentou ao lado de Meri, que afiava uma pequena flecha de madeira. Seu arco estava sempre encaixado em seu corpo, o cabelo trançado firme na cabeça exibindo a pele escura com pequenas pintas pretas. Dalibur também tinha pequenas pintas, assim como Hakon que as possuía em mais quantidade. Essas eram as pequenas coisas que Elize reparava quando ninguém estava olhando. Ela havia percebido também, que apesar do mais bruto, Milo era o mais bonito entre eles. Possuía um andar confiante, a mandíbula marcada e músculos sinuosos, o tipo de homem que ela costumava gostar quando morava no palácio. O tipo de homem que ela costumava encantar. Mas por algum motivo, ele nem sequer olhava para ela. Axel tinha se acostumado bem a jornada, sem reclamar do tempo que passavam andando, ele já estava acostumado com esse tipo de coisa quando saía para caçar sozinho. Também observava todos eles, mas a garota em especial. Os olhos de um azul etéreo, quase tão cintilante quanto o seu, mas ao mesmo tempo tão contrastante com seu cabelo negro como a noite.

— Só explicando pra quem não... estava aqui antes. — Hakon começou. — Vamos tentar pegar um barco até as ilhas da tia de Kafen. Merabelle pode nos ajudar a chegar no reino branco com mais facilidade, e assim que recuperar seu poder, encontramos seu irmão.

Parecia simples demais quando Hakon falava. Até Milo desfez a cara emburrada quando seu irmão terminou a explicação. Axel sentiu uma pontada no peito quando palavras específicas o atingiram.

— Irmão? — Foi Elize quem perguntou. — E depois? Ela assume o trono e guerreia contra Brank?

Dalibur ergueu as sobrancelhas.

— Ora, com vocês ficaria mais fácil.

Axel abriu a boca para responder, mas foi Kafen, recém acordada quem perguntou.

— Axel. — Todos olharam para a princesa. Ela se sentou diante deles e fixou seus olhos inchados de sono no irmão. — O que é subversio?

Milo sentiu seu coração acelerar. As palavras de Brank retornaram a sua mente naquele momento, a forma como o príncipe parecia adorar dizer aquilo. "Filho de subversio". Axel por algum motivo sabia a resposta. Ele franziu as sobrancelhas, mas respondeu.

— Tinham lendas sobre isso. Subversitos era uma tribo especial de guerreiros, criavam seus filhos única e exclusivamente para servir reis e príncipes. Era um costume muito comum uns cem anos atrás, quanto mais tribos o país tinha, mais poderosos os reinos eram.

— Por que?

Por algum motivo, aquilo não saia da cabeça dela. Como se ela já conhecesse aquela palavra, o significado, sem se lembrar direito.

— Porque recebiam magia desmembrada. Em um potencial absurdo, eram capazes de amplificar as coisas.

Parecia fazer cada vez mais sentido para ela. O dia na carroça, o interesse de Brank...

— Eram amplificadores humanos. Essa prática foi abolida depois que Hakuton usou o Subversito mais poderoso, conhecido como Subversio para quase dizimar o mundo. Nunca mais houve um desde então.

— Hakuton?

Foi Elize quem perguntou. Milo já não tinha controle sobre sua respiração, batimentos cardíacos ou do suor que lhe escorria pela testa. Kafenia se recusava a olhar para ele, a deixar transparecer o medo em seus olhos quando Hakon respondeu:

— O deus das sombras.

O príncipe das sombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora