Onze

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A princesa podia contar nos dedos as pessoas que conhecia, que eram capazes de agir com precisão sob pressão. Milo não estava nessa lista, até aquele momento. Hakon definitivamente sim, que ajudou as garotas a posicionarem seu irmão ao lado da fogueira apagada, e conseguiu identificar o problema. Um pedaço de ferro estava preso dentro dele, e era tão tóxico para seu corpo, que estava prejudicando outros órgãos. Como ele havia descoberto, Kafen jamais entenderia, mas foi o suficiente para que Milo saísse de onde conversava com Meri, e voltasse com alguns instrumentos. Não que gravetos pudessem ser chamados de instrumentos, mas a linha e agulha que ele sempre carregava consigo definitivamente eram.

Depois que Milo tentou usar os gravetos para retirar o pedaço de ferro sem sucesso, ele decidiu usar os dedos. O mais inteligente seria usar álcool para não piorar tudo, mas eles estavam com pressa. E Dalibur parecia cada vez mais branco.

— Isso é provisório. Assim que pararmos em algum lugar vou fecha-lo direito.

Sem mais palavras Milo enfiou dois dedos dentro do machucado de Dalibur, e puxou fora a ponta afiada de uma lâmina. Um ruído rouco saiu da garganta de Dali, mas ele não acordou. Kafenia seguia segurando sua mão, sua magia sempre atenta, de alguma forma aguardando a recuperação dele. Ela não sabia como, mas depois do incidente finalmente conseguia senti-la ali, constantemente mas não exatamente sabendo como usá-la. Axel encarava atento enquanto Milo costurava o irmão, se sentindo culpado por não poder ajudar. Ele fosse capaz de usar o próprio poder, aquele garoto não estaria suando frio de dor. Kafenia não aguentava mais assistir aquela dor, não conseguia mais olhar para o corpo trêmulo de Dalibur suando frio, sentir as mãos geladas debaixo da sua. Ela só queria que aquilo parasse, que ele não sentisse nada porque estava doendo fundo nela também.

Então algo aconteceu.

Meridwen suspirou alto quando viu a luz. E ali estava Kafen, com os olhos fechados e toda a concentração naquele garoto, ela simplesmente brilhou. Sua pele, seu cabelo flutuante e suas vestes, como um ser de luz dourada e vento gélido, ela brilhou diante deles em plena luz do dia, mais forte que o sol, crescente, de forma que eles precisassem desviar seus olhos quando o brilho atingiu seu ápice. Em momento algum ela largou a mão de Dalibur, ou cogitou afasta-lo, quando aquele calor latente tomou conta do seu corpo. Assim que passou, ou... diminuiu, a princesa abriu os olhos e constatou o que pensou ser impossível.

Dalibur não sentia mais dor. E estava curado. As marcas escuras haviam sumido, e a costura que Milo tinha começado desapareceu como se nunca tivesse sido começada. Todos olhavam para ela boquiabertos, espantados, e ela não sabia como reagir. Até que Hakon se adiantou, e disse a verdade que todos se seguravam para não dizer:

— Seu cabelo.

Franzindo as sobrancelhas, Kafenia ergueu sua mão livre para o topo da cabeça, sem encontrar nada. Mas Hakon se aproximou, e afastando Axel do caminho pegou uma pequena mecha do cabelo da princesa, e colocou na frente de seus olhos. Kafen suspirou de susto quando viu o branco por toda a extensão dos fios, em uma mecha grossa de seu cabelo. Após conferir, se deu conta de que era apenas aquela, então seria esse o preço do seu poder? E quando fosse mais que uma cura "simples"? Aquele poder teria limites?

A luz aumentou. Ao passo que os pensamentos desesperados e desinformados de Kafen tomavam conta de sua mente, aquele brilho se expandiu mais do que era realmente necessário, e ela teve medo. O brilho impedia seus amigos de conseguirem vê-la, mas era um farol e tanto para qualquer um que quisesse encontrá-los, ainda mais com um prisioneiro fugitivo. Seu coração batia forte, ela tentava sufocar, mas nada parecia dar certo. Sua respiração entrecortada não foi o suficiente, Milo gritando "calma" não conseguiu fazê-la parar. Ela precisava respirar, precisava pensar, mas tudo o que crescia dentro dela era aquele medo absurdo. Até ela sentir, aquelas mãos bondosas. Foi rápido, e tudo aquilo não pareceu durar mais que cinco segundos depois que aquelas mãos a trouxeram de volta, experientes e sábias.

— Ei. — Um sussurro calmo. — Já acabou. Já curou ele. Pode relaxar agora.

As mãos passaram por seus braços, fazendo-a fechar os olhos sem contestar a permissão, que parecia mais uma ordem. Hakon a colocou no colo quando ela desabou, exausta pelo poder que sugou mais do que ela estava acostumada a dar. O corpo de Kafen desmaiou contra o peito dele, na segurança de seu melhor amigo. Todos respiraram aliviados quando o brilho diminuiu, até finalmente se apagar diante deles.

— O que foi isso? — Axel olhou para a irmã desmaiada, preocupado. — O que ela fez...

— Magia de cura. — Hakon explicou o óbvio aos olhos de Milo, que observava de longe. — Deve ser da parte do pai dela. Não é exatamente a magia branca, mas uma ramificação.

Ele afagou o cabelo macio de Kafen, sabia que mesmo em seu sono ela podia sentir o toque, ser tranquilizada. Hakon analisou a situação em que se encontravam e balanceou a necessidade de se mexerem com o fato de terem duas pessoas desmaiadas no grupo.

— Mas de repente ela aprendeu a usar? Ela não teria que entrar em contato com o território branco ou algo assim?

Hakon olhou para o irmão desmaiado no chão, e logo depois para o que o encarava de volta. Milo sempre foi considerado uma fortaleza inabalável por sua força e seu temperamento, mas quão fundo aquela princesa teria alcançado dentro dele? Qual seria a reação dele quando descobrisse...

— Não exatamente. — Hakon decidiu que ele não precisava saber. Ainda não. — O primeiro passo seria que o corpo dela fosse desintoxicado do veneno, o que aconteceu algumas semanas atrás. Depois disso ela precisaria entrar em contato com qualquer coisa que despertasse sua magia, estímulos, como sua terra natal.

— E o que mais além disso?

Axel se aproximou de Hakon para pegar Kafen no colo, senti-la finalmente depois de anos. Quanto tempo fazia que ela não se aconchegava em seus braços? Será que ele havia a afastado depois de tanto tempo sem se arriscar para defender sua honra?

— Dalibur. — Foi Meri quem concluiu. A garota que quase nunca falava. — Faria sentido não? Ele não passou a vida dando poder a ela para que conseguisse sobreviver?

Tarde demais. O olhar de Milo se escureceu quando ele se deu conta. Algo sombrio ondulou em suas íris acinzentadas quando sua pergunta ecoou no ar, com uma resposta certa.

— Que tipo de contato?

Aquele foi o pior momento para que Dalibur abrisse os olhos. Definitivamente foi a pior hora para que o cérebro lento do príncipe Axel finalmente funcionasse de uma forma normal ao responder:

— Um beijo?

O príncipe das sombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora