Quinze

18 2 0
                                    

Já quase no terceiro dia de viagem, eles haviam alcançado uma pequena aldeia perto do mar. Haviam portos, mas não seria por meio deles que aquele grupo procurado conseguiria fugir. Era madrugada quando Milo e Axel se espalharam nos becos escuros, tentando conseguir qualquer tipo de informação antes de eles se juntarem em uma pequena estalagem, paga pelas últimas jóias que Elize carregava no pulso.

— Parece que os portos fecham amanhã de manhã. Assim barcos clandestinos também não vão conseguir partir.

Axel dá uma mordida maior que a própria boca em um pedaço de torta que Meri havia arranjado para todos, e mastiga com dificuldade. Milo ignora a falta de postura do príncipe, e cruza os braços ao explicar o resultado das próprias investigações.

— Tem um barco que parte daqui a três horas, sem fazer perguntas ou exigir ver rostos. Mas é o mais caro.

— E o mais seguro. — Axel completou de boca cheia. — Quanto ouro ainda tem?

Ele inclinou a cabeça para a irmã, como se houvesse mais alguém além dela que tivesse algo assim naquele ambiente. Elize vasculhou os pulsos e os dedos, e mostrou uma pulseira e dois anéis. Ouro puro, mas não o suficiente para todos eles. Sete pessoas sairia muito caro.

— Ao menos três terão que ficar para trás. — Milo argumentou. — Se não ninguém viaja.

— Isso não é uma opção. — Kafenia retrucou, de pernas cruzadas em cima de uma das camas pequenas do quarto. — Ou vamos todos, ou ninguém vai.

Milo coçou a nuca, como se ela fosse só uma criança mimada que não entendia direito das coisas do mundo.

— Pode ser que os portos se abram novamente...

— Não. — Kafen não permitiu que ele continuasse. — Brank vai matar qualquer um que encontrar aqui. Ou todos, ou ninguém.

— Você não está raciocinando! — Milo explodiu, avançando para Kafenia — Você precisa estar fora daqui em três horas! Não entende?

A princesa sentiu todo o seu sangue ferver quando se levantou da cama em um impulso, vociferando acima da voz dele.

— Entendo muito bem minhas obrigações Milo. Você que não está raciocinando, quem pensa que é?

Os olhos cinzentos que ela um dia pensou conhecer, se estreitaram.

— Não sou o tonto apaixonado que meu irmão é. — Ele deixou claro. — Não seguirei suas ordens como ele.

Alguns segundos de silêncio quase que eterno preencheram aquele vazio do quarto. Kafenia sentiu aquele Milo gentil se despedindo, como se algo tivesse mudado. Ela não se arrependeu do que disse a seguir.

— Então pode ir se despedindo do meu reino. Não vai ser bem-vindo lá.

Ela o olhou. De uma forma cruel, a maneira como ele a olhava tantas vezes. A pena. Ela era a rainha, e tinha o poder para cumprir o que dizia, para separa-lo dos irmãos. E por algum motivo que ela não entendia, aquilo fazia uma excitação borbulhar em seu sangue.

Milo se virou para a porta, mas Meri se colocou na frente dela.

— E se... não formos de barco?

As sobrancelhas de Hakon se ergueram. Ele segurava a risada ao ver a forma como a garota tremia, achava quase adorável aquele medo. Meri pigarreou, em partes tomando coragem para expressar sua ideia.

— Existe um tipo de magia utilizado para transporte de cargas pequenas. Chamam de teletransporte. Algumas pessoas no reino vermelho fazem, mas são difíceis de encontrar.

Dalibur posicionou as mãos na cintura, interessado.

— Cargas pequenas? Então arriscaríamos três de nós enquanto os outros iriam de barco.

— Onde achamos esse tipo de poder? — Elize se adiantou. — E precisa ser antes dos barcos partirem.

Dalibur respirou fundo.

— Nesse ritmo seria mais fácil entrar em um ringue pra conseguir dinheiro.

— Não!

A princesa Elize exclamou, posicionando uma mão delicada sobre o peito de Dalibur, nitidamente preocupada. Kafenia se contorceu quando ele não retirou a mão dela, apenas apoiou a sua por cima. Ela sentiu como se uma faca gelada tivesse sudo fincada em seu peito. Aquilo doía.

— Hakon. — A foz de Kafen soou mais dura do que ela desejava. — Vamos formar duplas para pesquisar pela cidade. O que acha?

Seu amigo concordou. Sozinho como sempre, Milo saiu primeiro indicando a direção em que procuraria. Depois, Kafen agarrou o braço do irmão e o puxou dali, ansiando pelo momento a sós que não tinham tido ainda. Ela não quis nem imaginar quais duplas seriam formadas a partir dali.

Com capuzes longos cobrindo o rosto, Axel e Kafenia caminharam lado a lado pela noite. Nenhum dos dois falou nada, Axel sentindo que a irmã sabia exatamente para onde estava indo. Ruas estreitas, poucas pessoas, curvas calculadas. Kafen definitivamente sabia para onde estava indo. Axel não teve medo. Dentre todas aquelas pessoas naquele quarto, ela era a que mais tinha sua confiança. Ele não se importou quando ela parou na frente de uma taverna movimentada, e entrou após lançar-lhe um rápido olhar de aviso. Ele a seguiu.

A taverna era pequena, mas muita gente se amassava por lá. A princesa teve que respirar fundo algumas vezes para distrair sua mente do desespero que era estar em um local apertado como aquele, segundo enfim para os fundos. Onde um ringue estava montado. O queixo de Axel caiu. Sua irmã manteve o tecido que cobria do nariz à boca no rosto quando abaixou o capuz, para fazer sua inscrição.

— Tá maluca?

Axel agarrou seu cotovelo no desespero, e tentou tirá-la de perto daquela loucura. Mas seus pés se mantiveram firmes no chão, e com um puxão forte ela se desfez de seu aperto.

— Se quiser pode entrar pra me ajudar. Se não, fique fora do meu caminho.

Axel não acreditava nas palavras que escutou saírem da boca de sua irmã. Seu peito se apertou quando o olhar castanho dela não se suavizou, quando as sobrancelhas erguidas não indicaram nada além de pura indiferença. Ele se viu dizendo algo que jamais pensou que sairia de sua boca, não para Kafen, sua doce irmã.

— Você mudou. Você era tão...

— Fraca. — Kafenia completou. — Mortal. Eu era um elo fraco.

A princesa assinou aonde devia para entrar na lista de lutas, e se deu conta de que precisaria de três para pagar as passagens de todos.

— Sinto falta de como era.

Axel admitiu. Mas Kafenia não se importou. Seu nome foi chamado para o ringue, e ela só deu uma última palavra a Axel antes de entrar:

— Muitos vão sentir. Ela era mortal.

O príncipe das sombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora