cinco

22 3 0
                                    

Elize passou a visitar o menino Dali todas as vezes em que Brank saía. Seu irmão nunca notava a pequena cura nos locais mais machucados, ou a menor quantidade de sangue no corpo de Dalibur quando ele voltava. Axel roía as unhas de nervoso, de medo pela irmã. Elize nunca havia o visto assim, porque mesmo quando Axel defendia Kafen, parecia mais forte, mais poderoso. Alguma coisa havia acontecido no dia em que Kafenia fugiu, quando os poderes de Axel e Brank se chocaram frente à frente, gelo contra sombras sólidas, magia pura contra escuridão. Axel viu algo, e Elize tentava constantemente descobrir o que era.

— Então ela se abaixou com toda a agilidade possível, e Brank caiu.

Elize contava a Dali de dentro da caixa de metal, usando os braços para o ajudar a imaginar cada acontecimento. O garoto admirava a princesa com máxima atenção, ainda mais interessado nos acontecimentos vividos por Kafen. Ele conhecia esse outro lado agora, o lado que Elize lhe mostrava. O olhar da princesa se entristeceu quando ela se lembrou dos acontecimentos seguintes.

— Como punição, Brank a fez quebrar os ossos da mão direita, e a obrigou a comer uma sopa sem concertá-los.

elize se lembrava, que foi depois daquilo que Kafenia encontrou o equilíbrio para evitar torturas piores. Ela era ruim o bastante para Brank não se irritar, e boa o suficiente para que ele não a punisse. E ainda assim, seu irmão ainda era capaz de encontrar formas de machucá-la. Dali percebeu a mudança no olhar de Elize, e como se pudesse ler sua mente, tentou desviar o assunto.

— Ela está mais forte. Meu irmão mais velho a treina fisicamente.

A princesa sorriu, emitindo calor para dentro daquela caixa fria. Era especialmente pequena com Elize ali, mas Dali achava aquela proximidade reconfortante. Ele quase conseguia se esquecer das partes que Brank havia arrancado dele, de como o príncipe havia feito com que ele se curasse para fazer de novo, e de novo. Diferente de Kafen, Dali acabava cedendo, gritando ou deixando algumas lágrimas escaparem. Era quando Brank revirava os olhos, retirava suas sombras e saía, entediado. Dali se perguntou ao longo desses dias, como Kafen ainda conseguia sorrir depois de sentir algo parecido.

— Ela sempre foi a pessoa mais forte daqui. Acho que Brank sempre teve medo do que ela se tornaria depois que libertasse sua magia.

Aquilo fazia sentido para Dali. Explicaria os anos reprimindo, diminuindo, machucando e tentando ao máximo e com todas as forças, deixá-la para baixo.

— Acha que eles podem ensinar magia a ela também?

a princesa perguntou, tão esperançosa, que Dali quase mentiu para manter aquele olhar brilhante em seu rosto. O peito se apertou, porém ele tinha que ser sincero.

— Não é tão simples assim. Primeiro porque Hakon perdeu seus poderes quando ainda era muito novo. Milo e eu recebemos a herança do rei, mas não temos nem metade do que deveríamos ter. E magia... nunca vi alguém que a aprenda. Geralmente todo mundo nasce sabendo.

Elize abraçou as próprias pernas enquanto se lembrava dos nomes dos irmãos de Dali. Ela se recostou contra a parede de ferro da caixa, e quis saber mais.

— Também nunca ouvi falar sobre alguém que perde seus poderes, além disso, o veneno já deve ter saído de Kafen não?

Dalibur pareceu pensar por um tempo. Ele tentava entender as coisas ao seu redor, mas Kafen sempre fora um mistério para ele. Talvez essa tenha sido a justificativa por trás de sua paixão ardente, uma das primeiras coisas que ele jamais seria capaz de entender... era a sua força. Dali tinha medo do que aconteceria, quando ela gritasse pela primeira vez.

— Tenho uma teoria sobre Hakon. Acho que a magia dele estava de alguma forma ligada ao país branco. Muitas pessoas perderam vitalidade quando o reino caiu, nossos pais inclusive. Eu e Milo éramos mais novos, magia não era tão comum para nós. Acho que Kafen precisa mais do que se libertar do veneno, precisa entrar em contato com a terra branca, com a fonte de poder de todas as  mulheres da sua linhagem.

As sobrancelhas loiras de Elize se ergueram para Dalibur. A garota o encarava como se sua frase fosse a coisa mais absurda que ela já escutara. Ele se deu conta então, de que ela sabia tanto quanto qualquer outro naquele reino sobre o massacre branco.. quase nada.

— Na cultura branca — Ele explicou. — São as mulheres quem governam como rainhas, tomando decisões. Seus maridos e reis geralmente são generais fortes ou mestres em barreiras de proteção, como o pai de Kafen.

Elize parecia maravilhada. Ela ficava linda daquela forma, a animação iluminando seu semblante, ajudava Dali a ignorar a dor profunda em sua costela direita.

— Não é incrível? Um reino tão diferente...

Diferente do reino sangrento que obrigava os herdeiros a lutar até quase a morte em um evento público, com o trono como recompensa. Elize tentava ignorar o fato, de que depois que Axel e Brank entrassem na corrida... um dos dois não sairia vivo.

Uma dor mais intensa, mais aguda atingiu Dali bem na costela. Ele tentou disfarçar, com medo de que aquilo preocupasse a princesa, mas não foi necessário. Porque assim que ele se inclinou para amenizar a dor, uma luz mágica cortou o mundo, partindo-o com um poder distante, como se uma explosão sem tamanho se expandisse por todo o lugar. Dali percebeu os tons de cinza, marrom e branco, percebeu o aroma confuso incrustado na magia que invadiu o palácio. Ele viu, aquela magia tocar cada centímetro do horizonte até onde seus olhos eram capazes de enxergar.

Aquela explosão... Dalibur estendeu a mão para o alto, e mesmo com as manoplas de ferro ele sentiu. Ele a sentiu, sentiu sua magia e percebeu que aquilo era apenas uma fração. Axel irrompeu pela porta, com um desespero nos olhos. Foi só quando viu Elize completamente vidrada naquela atmosfera poderosa e brilhante, que se acalmou. Ele estendeu a mão para que ela saísse da caixa, como sempre sem se importar com a maneira que a irmã ficava próxima a Dali. Axel não se incomodava com o sorriso bobo de Elize quando ela finalmente o deixava, aquela cara apaixonada que ele conhecia.

A princesa se despediu do prisioneiro e se foi, igualmente sorridente. E Axel quase sorriu. Quase mostrou os dentes e enrugou os olhos pela esperança no rosto dos pombinhos, quase ficou feliz. O que o impediu, foi a mancha negra que ele viu, se alastrando pela pele pálida na lateral do corpo rasgado de Dalibur. O príncipe se abaixou, e tudo o que Dali pensou quando sua cabeça começou a girar, foi que havia sentido a magia de seu irmão também.

O príncipe das sombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora