Vinte e dois

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Depois de anos de um ódio fortíssimo contra os próprios pais, a rainha Yelena tentou concertar tudo. Sem ousar aparecer no reino, deixou que seu marido visitasse Jasper com seu filho, afim de apresentá-lo a realeza do reino branco, e de alguma forma depois de quatro anos tentar concertar tudo com seus pais. O pequeno príncipe tinha apenas dois anos, mas Yelena confiou em seu marido para a tarefa. Estava esperando outro bebê, ainda no início da gestação, e não queria arriscar um banimento do país carregando um filho. Ou uma filha. O que houve foi um ataque. No dia seguinte do desembarque do rei Petro no porto de Jasper, o ataque aconteceu. O local onde ele e seu filho haviam ficado para esperar pela permissão do rei e da rainha foi desabado em cima deles, e depois de toda a confusão... eles nunca descobriram. Por sorte o rei teve forças para rastejar com o pequeno Melius até um local seguro, mas as cicatrizes daquele dia o assombraram para sempre. A negligência dos pais de Yelena, pais que morreram naquele dia.

O grupo de amigos passou poucas horas dentro das carruagens, divididos em dois grupos, Gal no grupo em que Kafen estava com Meri e Elize. Galenia contou a pequena história dos seus pais em resumo, e quando terminou já se encontravam nos portões do castelo. Portões altos de ferro branco, que se abriram sozinhos para a carruagem entrar. Um imenso jardim se estendia pela estrada que levava ao castelo, uma enorme construção de pedra branca entalhado com detalhes prateados.

— Meus pais se inspiraram no castelo da sua família.

A primeira carruagem parou na frente da porta da frente, e deixou que as garotas descessem antes de dar lugar à segunda. Dois guardas ficavam posicionados na frente da porta, abrindo-a assim que todos já haviam descido. Conforme o grupo adentrou o palácio, um gelo estranho tomou conta do estômago de Kafen. Para se sentir mais segura diante daquele salão de entrada imenso, com o teto abobadado e colunas de mármore altas sustentando tudo, ela entrelaçou seu braço no de Axel, grudando seu corpo no dele.

Diferente da pompa que Kafen costumava ver em outros reinos, não demorou muito para o rei e a rainha serem apresentados a eles. Não havia corte ou músicos com trombetas, apenas poucos guardas, o grupo, e assim que a porta lateral se abriu... o rei, a rainha e o herdeiro. Que fez um soluço ficar preso na garganta de Kafen.

A rainha era majestosa como sua filha, vestindo um tecido fino de linho que delineava o corpo alto e esculpido, o cabelo prateado arrumado em um coque alto repleto de joias, o rosto petrificado em uma expressão neutra. O rei era ainda mais alto, talvez tão alto quanto Milo, se vestia completamente de branco como a esposa, tinha cabelos negros salpicados com fios brancos, os olhos tão azuis que Kafenia conseguia distingui-los de longe. Mas o herdeiro...

O herdeiro entrou no salão sentado, em cima de uma cadeira, mas não uma cadeira normal. Em vez de pernas, possuía duas rodas grandes, que com a ajuda de seus braços o ajudavam a se locomover. O coração de Kafenia doeu quando ela viu, as cicatrizes daquele dia não só nas pernas, mas nos olhos claros do garoto, que de alguma forma pareciam escuros. Kafenia deu um passo à frente, inflando o peito com as pernas tremendo de nervosismo, e o coração inchado de alegria, aquela era sua tia. A princesa abriu a boca com uma certeza inédita.

— Eu sou a princesa Kafenia, e vim aqui pedir sua ajuda.

Um sorriso brando decorou o rosto sério da rainha, acalmando o coração de todos ali.

— Eu sei quem você é criança.

E em passos repentinos, a rainha majestosa se afastou de seu trono entalhado em ouro, e quase que em uma corrida disfarçada de passos chegou até Kafen, e a envolveu em seus braços. O cheiro doce de canela e hortelã invadiu as narinas de Kafenia, trazendo a ela uma sensação tão familiar que chegava a doer. Finalmente entendendo o abraço. A princesa ergueu os braços para apertar a tia de volta, e relaxou o corpo. Estava segura.

— Estava esperando por você.

A rainha se afastou, e com cuidado pegou a mecha branca que agora decorava o cabelo de Kafen com a ponta dos dedos.

— Então já começou...

— Sabe sobre isso? Entende... minha magia?

O olhar da rainha recaiu sobre a filha, que aguardava em silêncio atrás de Kafen. E depois de suspirar fundo tentando conter a emoção de reencontrar aquele pedaço de família, reuniu sua força restante e pediu:

— Por favor filha, acomodem eles em aposentos adequados. Assim que se lavarem e descansarem da viajem, vamos nos reunir para conversar melhor. Prometo que respondo as perguntas que quiserem.

Kafenia concordou, voltando para o braço do irmão antes de seguir a prima por uma porta menor de um dos lados da parede, depois por corredores, e mais portas com diferentes quartos. Em consideração à eles, a princesa separou quartos no mesmo corredor o máximo que pode, deixando apenas dois no dobrar da parede seguinte. Elize e Axel não se importaram de ficar mais distantes, contanto que tivessem o conforto que haviam sentido tanta falta do palácio.

O corpo exausto de Kafen mal assimilou quando suas roupas foram tiradas por servas, seus botões abertos e a pele molhada por aqueles panos úmidos. Ela se deixou levar pela água fluida que atingiu seu corpo logo depois, apreciando a mornidão da água no ponto certo, quase que magicamente calculada para ela. Cada extremidade do seu corpo escurecido pela viagem foi esfregado, entregue como novo pouco antes que ela desabasse naquela cama imensa e macia. A princesa nem teve tempo de se cobrir antes que seus olhos se fechassem com peso, não tinha nem noção do quão cansada estava.

Depois de algumas horas em um sono profundo, apenas o sentimento do dever a fez se levantar daquela cama. Isso, e o fato de ela saber que poderia voltar quando quisesse. Estava segura. Aquela frase ficava voltando e voltando em sua mente, em uma repetição quase que obrigatória para apagar aquele medo, daquele sonho. A princesa vestiu o primeiro vestido que encontrou naquele guarda-roupas imenso, que pela primeira vez não estava largo, ou caindo nos ombros. Kafen abriu a porta do seu quarto e caminhou até o salão onde se lembrava de ter encontrado a tia, que por sua surpresa ainda estava lá.

Somente ela e sua tia, naquele imenso cômodo ocupados por quatro tronos e uma mesa de jantar recém colocada. A princesa se aproximou devagar, e parou de pé ao lado da tia, que observava os pratos ali colocados.

— Sempre soube que estava viva. Só não tinha certeza de onde achar você.

Kafen não conseguia olhar pra ela. Se sentia uma boba pela vontade de chorar que a irritava naquele momento, aquela emoção que ela queria sufocar. Ela estava bem ali, sua tia, tão linda quanto havia imaginado.

— O que quis dizer quando viu meu cabelo mais cedo?

Aquilo precisava ser explicado. Hakon e Axel haviam expressado suas teorias, mas nada muito certo. Se alguém sabia sobre aquilo, esse águem era Yelena. Kafen esperou, mas ao invés da atenção da rainha ser dirigida a ela, seus olhos caíram sobre Milo, que adentrou pela porta lateral naquele momento. Ela suspirou com um susto contido, e apoiou a mão no peito.

— Toevah! — Ela exclamou. — É ele.

O príncipe das sombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora