Penumbra, amor e sarjeta.

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Tua carne está apodrecendo, junto com o mundo. Ora, mundo este que já era podre, o que sobrou ?
Nada além de decadência, nada que se estende além da covardia e ignorância.

Pessoas cegas pelo próprio reflexo em uma poça d'água suja, esgoto esse que se confunde com tua imagem perturbada, beleza é algo que lhe escapa a percepção, foge-lhe a ciência.

No ar, paira uma fragrância de sangue e urina, mendigos festejam o banquete de ratos mortos por veneno.

Coisa maravilhosa este céu negro, traz-me lembranças do teu sorriso sórdido e macabro. Sim, de teus olhos, um brilho bruxuleante remete-me ao fogo nefasto que outrora queimaste minha débil carne.

Sim, ah sim, estes teus lábios rubros, carne macia, dádiva das musas da loucura, tremendo é o poder de seduzir os pobres homens.
Homem este qual eu fui, tolo por assim dizer, meu sofrimento eu fiz por merecer.
Fui de encontro aos teus braços, envolto em teu calor elucidante, cedi minha afeição, meu amor e minha faculdade condutora.
E tu, como o anjo que eras, ceifou-me a alma, junto ao coração, tirou de mim eu mesmo, foi embora e nunca mais vi, até esqueci o que levaste embora. Seria eu ? Ou, apenas uma ideia de mim?

Não obstante, como poderia odiar, de qual maneira proferir maldições e de tal modo cometeria injúrias ao teu nome? Bom, eu não sei, afinal tu levastes meu coração.

Não posso chorar, não posso rir, nem ao menos olhar pra traz, entretanto eu devo seguir em frente.
Cansado demais para reclamar, não posso sentir dor, afinal não tenho mais carne, somente ossos.

É isto que somos, a mistura de três coisas, um pedaço de carne precário, um breve sopro de vida e uma pequena inteligência. Bom, apenas duas coisas é mundana, a carne apodrece, a vida se apaga, porém, tua inteligência é autêntica, é única, desde que a faça única.

O que te levou a fumar um cigarro pela primeira vez? Bom, o que sempre te leva a fazer algo pela primeira vez ? Ah sim, eu me lembro, o motivo é o mesmo, é morena, olhos afiados, cabelos lisos como água, e sim, teu calor era psicoativo, te deixava louco. Tinha nicotina em seus lábios. Eu me recordo, uma mistura de mel e cigarro. Teu cheiro me prendia, igual tuas pernas envoltas em meu corpo. Tuas unhas cortavam-me as costas e teus dentes os meus lábios. Porém, eu, duro que sou não deixei barato, a espremi na parede como um leão pisa em um rato, ironicamente tu adorava, e no calor da noite nos tornávamos um só.
Embora tu deixastes essa vida de amargura ao meu lado, teu gosto permanece em minha alma. Bom, a nicotina também.

Em meio a minha solidão, ao meu regresso ao ser primordial de min mesmo, retornei a adorar a lua inóspita sozinho nestas ruas escuras. E como não se vê peixes andando com lobos, as lobas vinham até mim, porém, não sou mais o mesmo, não mais o lobo negro. Agora velho e ferido, procuro um osso pra roer, infelizmente só tenho pedras a morder. Eu sei que é culpa minha, mesmo assim não abdicarei da minha moral resoluta, meu peito é sólido, meu coração é gélido. Teu calor deixou apenas carvão aqui dentro.

Infeliz história esta, porém o gosto das insanas é meu fetiche secreto não tão secreto, o desafio, a labuta e a luta pra conquistar é o meu prazer, sim, quanto mais fria for, melhor, quanto mais dura e raivosa. Somente para ter o prazer de fazer comer em minha mão.
Agora é a hora que o vilão solta sua risada macabra e diabólica, sim, que perversão, que abominável.
Aí de min e minha inocência, o que fizeram da minha bondade. Malditas, indômito destino. Cruel realidade está que me devora.

Devaneios Obscuros e Outras ReflexõesOnde histórias criam vida. Descubra agora