4 - Semente

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Dornelles havia mergulhado de cabeça nos assassinatos, estava convencido de que havia muito mais por trás daquelas mortes. Os demais colegas do investigador, inclusive o delegado Cabral, que cuidava do caso, acreditavam que havia uma motivação passional para os crimes. Para eles, um ex-namorado traído, uma amante vingativa - talvez até ambos - era o autor dos homicídios. O modus operandi, o fato das duas vítimas serem um casal de namorados, tudo parecia indicar nessa direção.

- E aí Dornelles, já interrogamos todas as testemunhas, já falamos com todo mundo, estou fechando meu relatório, você tem algo a acrescentar? - inquiria Cabral, imponente e impaciente sentado na cadeira atrás de uma mesa de madeira em que acumulava pilhas de processos.

O investigador permaneceu em pé, sentia em seu íntimo que havia muito além do que eles estavam enxergando, mas não havia argumentos para sustentar sua teoria. Os testes com o sangue encontrado nas flores não indicavam nenhuma direção, a consulta ao Banco Nacional de Perfis Genéticos se mostrara inconclusiva, não havia nada novo.

- Não, senhor. - disse, enfim, vencido.

O delegado Cabral, jovem e impetuoso, conhecido pela ascensão rápida na força policial e pela dedicação ao trabalho, consentiu com a cabeça e Dornelles soube que era a deixa para deixar a sala e voltar ao trabalho, havia ainda muitos outros homicídios esperando solução na cidade. Mas aqueles dois, em específico, não saíam de sua cabeça. O caso ficaria em aberto, já que não havia nenhum suspeito a ser indiciado. Os familiares das vítimas, assim como tantos outros no dia a dia de violência no país, teriam que se conformar que o caso não teria um desfecho.

*****

No entanto, sem novas evidências e com os dias passando, o caso foi sendo esquecido, inclusive por Dornelles, que havia criado uma obsessão com o "Assassino da Rosa de Sangue" no início, mas tinha seus próprios problemas para se preocupar. E, no momento, o maior deles tinha um nome específico: Raquel, a pessoa que ele mais amava nos últimos anos, mas, por algum motivo ainda inexplicável, o estava evitando havia dias.

Foi então com grande satisfação que o investigador passou pela floricultura para comprar flores para a amada quando ela disse que havia preparado um jantar especial para que pudessem conversar.

Enquanto escolhia uma bela orquídea, reparou nas rosas que estavam por todo o lugar. No balcão de atendimento algumas peças de plástico, ornamentais, lhe chamaram a atenção.

- Essas rosas de plástico aqui de enfeite, vocês que fazem? - perguntou ao rapaz de avental que separava a flor que ele havia comprado.

- Ah não, na verdade, a gente recebe de brinde de uma das empresas que fornecem flor. Elas não estão à venda, só enfeitando aqui.

- Entendi... - respondeu Dornelles, pensativo, imaginando se a rosa de sangue poderia ter vindo de algum lugar assim; ou se por acaso algum florista poderia reconhecê-la. Taí algo que talvez valesse a pena tentar, enfim, desde que conseguisse tirar a rosa do arquivo de provas, o que também não deveria ser tão difícil, armas e munição costumavam sumir com frequência, ninguém se ligaria muito em uma simples flor de plástico.

Fez uma "nota mensal" para pensar nisso depois, pagou pela orquídea e se dirigiu para o apartamento de Raquel. Chegou ao local após alguns minutos, tocou o interfone na entrada para que ela liberasse a porta do hall e subiu até o terceiro andar, onde ela morava.

À porta, Raquel atendeu trajando um vestido um pouco largo. Não usava maquiagem e seus olhos verdes e grandes estavam um pouco vermelhos, como se tivesse dormido pouco, ou chorado. Seus cabelos coloridos em ruivo estavam presos em um rabo de cavalo, coisa que era pouco comum, já que ela gostava de exibir as madeixas onduladas. Era óbvio que algo a estava preocupando.

Dornelles deu-lhe um beijo, que foi retribuído sem entusiasmo, sentia como se tivesse beijado a coleguinha do teatro da turma da quarta séria.

- Tá tudo bem? - perguntou, direto, entregando a flor, que foi recebida como uma conta que chegara pelo correio.

- Sim, só cansada... - respondeu ela, sendo interrompida antes de continuar.

- Olha Raquel, eu posso não ser o melhor investigador de São Paulo, nem mesmo o melhor da delegacia, mas eu teria que ser muito tonto para não perceber que tem algo errado.

A jovem de 34 anos, cujos dois últimos haviam sido namorando Dornelles, tentou disfarçar.

- Vamos jantar e depois conversamos melhor...

- Não. - disse o investigador, sentando-se no sofá e apoiando o pé sobre a outra perna - Se tem um problema, vamos resolver agora. Se quer meter o pé na minha bunda, melhor que seja agora, levar fora de estômago cheio pode me fazer mal... - concluiu, tentando não demonstrar insegurança, mas temendo que fosse mesmo isso que estivesse acontecendo, embora não encontrasse razão para que o namoro terminasse, já que tinham um relacionamento ótimo.

Vencida, Raquel acabou sentando-se ao lado dele no sofá. Parecia constrangida e evitando encará-lo, sinais que poderiam indicar algum tipo de traição. Teria sido isso que ocorrera, ela havia ido para cama com outro? Não seria impossível que, dado os plantões em horários malucos, para dizer, o mínimo, que era obrigado a encarar, ela pudesse ter curado alguma carência nos braços de alguém.

- Nel... o seu trabalho... tem me deixado mais preocupada ultimamente... é tanta violência, todo dia tem policial morrendo, matando, sendo morto... isso tá me preocupando de verdade... - começou ela.

- Olha Kel, eu entendo a sua preocupação, mas estamos juntos há dois anos, você sabia da minha vida, sempre soube. E não há motivo para se preocupar assim, eu sou investigador, não sou da PM, não saio na rua trocando tiro com bandido, eu chego quando os corpos já esfriaram... - ameaçou um sorriso, quase triste.

- Eu sei, mas... - parecia que Raquel havia esquecido como se pronunciava as palavras.

- Isso tem a ver com as noites que eu trabalho, com as madrugadas que tenho de atender alguma ocorrência? Eu entendo se for algo assim, você é uma mulher bonita, talvez não seja mesmo justo que tenha de dormir sozinha enquanto estou atrás de defunto... - arriscou.

- Não é nada disso, Nel... - ele deu de ombros, sobrancelhas arqueadas, demonstrando sua confusão - É que... eu tô grávida... - disse Raquel, finalmente encarando-o pela primeira vez desde que ele chegara até o apartamento naquela noite.

O Assassino da Rosa de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora