11 - Você Está Presa

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Thalita chegou na clínica e, logo depois que passou pela confirmação da consulta no balcão, pediu para que pudesse carregar o celular por uns minutos. 

- Meu carregador tá com defeito, estou só com o cabo USB, não tem como você ligar só uns minutinhos no seu computador para eu carregar? - disse, já apresentando o aparelho conectado ao cabo para uma das atendentes. 

Um pouco sem graça, a jovem concordou e conectou o aparelho ao computador. Enquanto isso, Thalita sentou-se no sofá para aguardar. 

Estava aguardando há cerca de quinze minutos pelo atendimento, bem mais do que esperara na primeira consulta na clínica de fertilização. Se perguntava se a demora era porque ela já havia se tornado cliente ou havia algo mais. De qualquer maneira, isso era ótimo. O programa espião que estava instalado em seu celular teria tempo de sobra para copiar os dados do computador da recepção, enquanto carregava a bateria. 

Mas não se apegou a isso, estava concentrada no papel que desempenharia, de jovem rica e disposta a engravidar para mostrar a independência, além de ajudar um amigo. Também estava curtindo a sensação de que, em breve, se tornaria tia. 

Agradava muito a ideia de que a família cresceria. Desde que o pai morrera, restaram apenas ela e Dornelles e, mais recentemente, Raquel, a quem ela já considerava uma familiar, unidas em breve mais ainda pelos laços da criança que nasceria - e ficava feliz pelo irmão tratá-la bem, apesar de quase sempre agir como uma pedra sem sentimentos.

Já ela, na verdade, não pensava muito em ter filhos. Não tinha um relacionamento fixo há um bom tempo, sequer tinha paciência para os rapazes do Tinder. Preferia passar seus momentos de folga vendo séries, saindo com amigas ou mesmo dormindo com Agatha e Christie, suas duas cadelas de estimação. O nome havia surgido como brincadeira, "quem pensaria em ter uma cadela chamada 'Gata'?", pensou ela na época. Depois, quando adotou a segunda "criança perdida", achou por bem estender a brincadeira e o apelido ganhou ares de escritora famosa de romances policiais, como o que ela parecia investigar agora mesmo.

- Mariane Delaney? Pode entrar para o atendimento! - disse a recepcionista, entregando-lhe o celular com o cabo USB, tirando-a de seus devaneios em que quase se esquecera do seu falso nome naquela empreitada. 

Agradeceu com um sorriso largo e falso e levantou-se da poltrona, um pouco mais fofa do que ela consideraria adequada para uma sala de espera, deu uma última olhada para a televisão, que exibia um programa de fofocas, e se dirigiu para o consultório onde havia sido atendida na primeira vez, conforme a atendente lhe indicara.

Antes de seguir em frente, no entanto, ativou o backup do aparelho, para que rapidamente ele sincronizasse os dados que acabara de copiar, em sua conta na nuvem.

Quando entrou, estranhou que não era o médico bonitão que a aguardava e, sim, um rapaz um pouco mais velho e carrancudo, com início de calvície acelerado que ia da testa até metade da cabeça. Usava um terno elegante e Thalita percebeu que logo que passou pela porta, um segurança, inconfundivelmente trajando terno preto, postou-se atrás dela. 

- Boa tarde Mariane. Deixa eu te perguntar uma coisa... - continuou, antes mesmo que ela respondesse o cumprimento - você sabe que falsidade ideológica é um crime que pode até levar à prisão? 

Thalita paralisou por um instante, mas rapidamente buscou recuperar a calma e manter o sangue frio. 

- Eu não sei do que o senhor está falando, vim fazer meu exame, não para uma aula de direito. - respondeu, desafiadora.

O homem à sua frente deu um riso de desdém, mas ela não se intimidou. 

- Olha, se não vou ser atendida, vou procurar um lugar melhor do que essa espelunca! - abusou, elevando o tom de voz enquanto blefava. 

- Pode parar com o teatro. - disse enfim o homem de terno - Nós sabemos que você não se chama Mariane, que você é uma jornalista de segunda cavando túmulos... senhorita Thalita Dornelles... - falou pausadamente o nome dela, revelando que a farsa havia mesmo sido descoberta.

Thalita pensou rapidamente, não podia recuar. Era tudo ou nada. Então aumentou ainda mais o tom de voz - fazer um barraco era sua última alternativa - e virou as costas, na esperança de conseguir sair da clínica. Mas foi barrada pelo segurança, que tentou apenas impedi-la de passar pelo corredor.

- Não me toque, não encosta em mim que eu chamo a polícia! - gritou, atraindo a atenção na recepção que, para seu azar, estava deserta, apenas com as duas atendentes habituais, mas sem nenhum cliente que pudesse ajudá-la.

- Não precisa se preocupar Thalita, já chamamos a polícia. Eles devem estar chegando... - disse o rapaz engomadinho, cada vez mais soberbo.

Thalita era muito boa em manter a calma em situações alarmantes, mas as últimas gotas que tinha estavam se esgotando e o desespero batia na sua porta como um vendedor insistente. 

Conseguiu se enfiar em um consultório e trancar a porta antes que o segurança a seguisse.

- Thalita, abre a porta, ninguém vai te agredir, só vamos te entregar para a polícia por uso de identidade falsa. Você é bem grandinha para arcar com suas consequências, com o processo que vamos te colocar. Quem sabe se você parar de criar problema, sua carreira não acabe? - dizia o homem de terno, provavelmente advogado da empresa, batendo pacientemente na porta.

A jovem rapidamente pegou o celular e escreveu para o irmão. "Deu ruim". Queria poder contar o que estava acontecendo, mas sabia que a pegariam a qualquer momento. Então desligou o aparelho, orou mentalmente para que sua conta na nuvem estivesse devidamente atualizada, e pisou com toda a força que pôde na tela do celular com o salto. Não podia correr o risco que alguém o pegasse. Ainda que tomasse cuidado nas conversas com o irmão, algo poderia ser descoberto. 

Foi até o banheiro e, após tirar e esconder em suas partes íntimas o chip e o cartão, retirou a bateria e encharcou-a, junto com o aparelho. A bateria jogou no vaso sanitário.

O aparelho teria um destino final ainda mais cruel. Torceu o quanto pôde a tela, subiu numa escada móvel de dois degraus que os pacientes usavam para alcançar a maca e atirou o que restara do celular destruído pela janela, o mais forte que pôde na rua. 

Acompanhou enquanto ele deslizou pelo asfalto até alcançar o bueiro na outra guia. "Splash!", gritou mentalmente, no exato momento em que as batidas na porta cessaram e a porta abriu. 

- Você está presa!

O Assassino da Rosa de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora