5 - Matadora de Criança

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Fazia alguns minutos que Dornelles havia descoberto que seria pai. Mantinha uma cara séria e quase contemplativa, enquanto olhava fixamente para os três testes positivos que Raquel havia trazido para lhe mostrar. Em sua mão, ainda segurava o exame de sangue, prova definitiva que ela fizera para garantir que estava mesmo grávida.

Apreensiva, Raquel observava em pé ao lado, com um dos braços dobrado sobre o peito e alisando o cotovelo, como se tentasse aquecê-lo. Até que não resistiu e perguntou:

- E então...?

O parceiro pareceu acordar de um transe e olhou-a ainda com o papel na mão.

- Com tantos anos já como investigador, é uma vergonha que isso não tenha me ocorrido e eu tenha ficado com a cabeça cheia de caraminholas...

- Desculpa, eu devia ter dito antes... - ela não deixou que terminasse, o interrompendo, mas ele insistiu.

- E de todos os anos que eu tenho de vida, posso te dizer sem sombra de dúvidas Raquel, que essa é a melhor notícia que alguém já me deu... nós vamos ser pais! - sorriu enfim e, com isso, toda a tensão que a mulher carregava no semblante também pareceu ir embora imediatamente.

- Kel... - recomeçou Dornelles, ficando bem próximo enquanto ela o envolvia com um dos braços - Eu sei que a gente não chegou a planejar um casamento, que "comemos a merenda antes do intervalo", mas também sei que te amo e não tenho a menor dúvida disso. E no momento, só consigo sentir felicidade e a certeza de que quero estar com você.

Ela abriu um sorriso, o primeiro realmente espontâneo da noite, e lhe deu um beijo. Em seguida, se abraçaram por longos minutos sem dizer nada. Aquele era, realmente, o melhor lugar do mundo no momento.

*****

O toque irritante do celular de Dornelles parecia estar dentro de sua cabeça até que ele conseguiu agarrar o aparelho para interromper a campainha infernal. Imaginou que fosse o alarme, mas se deu conta que ainda faltavam alguns minutos para as cinco da manhã. Atendeu enquanto esfregava os olhos e Raquel, ao seu lado, cobria a cabeça com o travesseiro.

- Alô... - disse, tentando superar a rouquidão.

- Dornelles? Tá dormindo? - gritou a voz do outro lado, inconfundível, do delegado Cabral.

- Não, tô numa rave... claro que tô dormindo chefe, não são nem cinco horas... e não é meu plantão... - questionou.

- Eu sei, eu sei. Desculpa te acordar, também me acordaram. O cara da flor resolveu aparecer. Mais duas vítimas. Quero você comigo no local, vou te mandar o endereço e quero você lá em quinze minutos. Se vira. - não esperou a resposta e desligou.

De qualquer forma, Dornelles não precisava de estímulo para animá-lo, a notícia já bastava, havia sido o suficiente para despertá-lo como se tivesse tomado uma bebida energética da mais potente.

Vestiu-se rapidamente, deu um beijo no rosto de Raquel, que sequer abriu os olhos - ela era boa de cama e provavelmente aperfeiçoaria essa característica durante a gravidez - e partiu para o seu destino.

Chegou rapidamente - dirigir com as ruas quase vazias era sempre um prazer - e Cabral já estava dentro da residência. Dois policiais guardavam a entrada e percebeu que havia um jornalista no local, o que nunca era bom, a imprensa era como um tubarão, só aparecia quando sentia o cheiro de sangue e, tal qual o tiranossauro perseguindo os visitantes do Jurassic Park, tinha verdadeira gana de devorar a polícia.

Mas o investigador não focou nisso, preferiu dar atenção ao caso. Para começar, a casa da vítima recente era notavelmente mais chique e luxuosa do que a do pobre casal que foi o primeiro a morrer. Inclusive, havia câmeras de segurança, o que sempre era uma esperança, embora ele duvidasse que o Assassino da Rosa de Sangue fosse descuidado a esse ponto. Mas não custava tentar.

Passou pelo belo e bem cuidado jardim da casa até chegar à sala e foi imediatamente falar com Cabral. O delegado tinha o tablet na mão, onde anotava as informações sobre o assassinato.

Dornelles cumprimentou o delegado, que respondeu com um aceno de cabeça e logo começou a descrever as vítimas.

- Bom, é uma jovem de 26 anos, conhecida, é influencer digital. Nunca vi, mas minha sobrinha adolescente adora. O nome dela é Giovana Molena, conhecida como G-Tox. Ficou famosa fazendo conteúdo sobre relacionamentos tóxicos, homens abusivos, "girl power" e essa lacração toda que tá na moda.

- Também nunca ouvi falar não, tenho paciência nenhuma para influencer... - ponderou o investigador, interrompendo - Você disse que era mais de uma vítima?

- Sim, o namorado dela também tá morto. Ele era empresário, cuidava da carreira dela inclusive. Tinha uma pequena agência de propaganda, pequena mesmo, com três funcionários só e ele. Jhonny Córdoba, natural da Colômbia, morava no Brasil desde a infância, estava com 36 anos.

Dornelles concordou com a cabeça em sinal de que havia entendido tudo, satisfeito por Cabral ser tão dedicado ao trabalho e ter levantado esses detalhes rapidamente.

- E a perícia, tá vindo? - perguntou o investigador, antes de adentrar no local do crime.

- Tá aí já, passei pessoalmente pegar o Tobias e ele já tá analisando. O fotógrafo, aquele guri novo lá, o Filipe, também já chegou.

Sem mais demora, Dornelles finalmente rumou para o escritório onde havia ocorrido o crime. A casa era espaçosa, com móveis novos e modernos, provavelmente resultado do sucesso recente da sua moradora. O escritório era um cômodo que havia sido transformado em um pequeno estúdio, montado para parecer um quarto aconchegante e cheio de conforto. Havia uma cama grande, bichos de pelúcia espalhados nas prateleiras, quadros de mulheres famosas e fortes nas paredes, além de placas com mensagens motivacionais. Frente a tudo isso, no entanto, havia duas câmeras em tripés, estrategicamente posicionadas, além de três grandes luminárias profissionais.

Dornelles cumprimentou Tobias e Filipe, sem interrompê-los, e começou a examinar com atenção a cena que encontrara e que, mais uma vez, não soubesse que as vítimas estavam mortas, pareceria apenas uma situação normal.

O casal estava deitado sobre a cama, lado a lado, com as mãos entrelaçadas. Ele estava sem camisa e usava apenas uma samba-canção azul. Giovana também vestia trajes mínimos, um top um pouco largo e um short bastante curto e largo. Estavam dispostos como se tivessem adormecido ali.

Ao lado da cama, nas mesas de cabeceira, como ele já esperava, as taças de vinho vazias. A garrafa estava do lado de Jhonny, junto à taça, também vazia. As rosas, conforme ele suspeitava, também compunham a cena. Estavam na mesa frente à câmera, junto às duas telas de computador que havia. E separada do buquê, também na mesa, estava a rosa artificial, que Dornelles já sabia ter sido pintada com sangue. Sim, o assassino estava de volta, depois de semanas sem dar nenhum sinal, ele reaparecia e deixava claro que estavam mesmo lidando com um serial killer.

- Alguma coisa já Tobias? - perguntou, enfim.

- Ah, nada de novo. Acho que mesmo que a gente tivesse aquelas coisas do CSI, o cara é esperto e saberia como se safar. - respondeu ele, fazendo uma pausa.

Neste momento, Cabral apareceu à porta e chamou Dornelles.

- Olha isso, talvez a gente encontre uma pista. - disse, mostrando o celular para o investigador, com um vídeo da vítima, o último que ela havia postado.

Era um vídeo de "recebidos", quando a pessoa mostra presentes que ganhou, desembalando um a um enquanto transmite.

Entre os presentes, um chamou bastante a atenção. Ela havia recebido o buquê de rosas, de um "admirador anônimo". Mostrou aos seguidores, agradeceu. Pouco tempo depois, pareceu sentir-se sonolenta. Disse que estava se sentindo um pouco cansada, que havia sido um dia muito corrido e que então encerraria a transmissão por hora, terminando de mostrar os recebidos no dia seguinte, após uma boa soneca.

Na sequência, a jovem de longos cabelos e olhos grandes e bem azuis, desligava o vídeo.

- Foi o último vídeo dela, no início da noite de ontem. Mas olha a postagem seguinte, feita às 3h da manhã. Inclusive, foi o que fez alguns seguidores acionarem a gente.

Dornelles rolou o dedo pela tela e havia uma postagem com a imagem de uma rosa vermelha sobre uma poça de sangue. No alto, a mensagem escrita em branco, sem meias palavras: Matadora de criança.

O Assassino da Rosa de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora