Dornelles deixou a casa de Giovana depois de quase uma hora acompanhando a análise forense. Estava concentrado e sequer viu o dia amanhecer. Do lado de fora, jornalistas já se amontoavam para tentar saber detalhes do ocorrido, a garota era conhecida entre os jovens. "Gota de sangue no oceano", pensou o investigador ao ver os repórteres tentando encontrar o furo que os colocaria à frente da concorrência.
O sol nascia preguiçosamente por trás dos prédios e indicava que seria uma manhã quente. Sua vontade era acender um cigarro e tomar um litro de café, coisa que sempre o ajudava a pensar. Mas estava tentando parar com o tabaco, não fumava há meses e, agora que sabia que seria pai, sem dúvida que era a decisão correta, não poderia baforar aquela fumaça fedorenta ao lado de Raquel. Mas o café era inevitável, coisa de família. "Se não puder tomar café, nem adianta estar vivo", repetia o pai dele, sempre que era acometido pela forte úlcera que o havia acompanhado nos últimos anos de vida.
Lembrou do seu velho enquanto saía à procura de uma padaria onde pudesse encontrar uma boa dose de cafeína para arejar as ideias, deu graças que não havia se tornado delegado como ele, ou estaria agora tendo de dar satisfação à imprensa. Olhou de soslaio para ver Cabral dizendo que não iam dar detalhes naquele momento, que tudo seria informado com calma em uma coletiva de imprensa mais tarde naquele dia.
Diferente do pai de Dornelles, que por pouco não classificava jornalistas na mesma categoria dos criminosos que prendia, Cabral sentia-se à vontade tratando com os jornalistas, falar em público nunca fora problema e, quando possível, ele aproveitava a desenvoltura para dar palestras - geralmente sem cobrar, apenas pelo prazer de provar-se articulado.
O investigador estava com sorte, apenas um quarteirão da casa da vítima encontrou uma padaria. Sentou-se em uma das cadeiras junto ao balcão e pediu que a moça que o atendeu lhe servisse um café.
- E dá uma Coca de garrafinha pra mim, por favor! - disse uma jovem que acabara de sentar-se ao lado dele.
Antes mesmo de virar o rosto, já sabia quem era, a voz jovial e animada - o que ele sempre odiava a essa hora da manhã - era inconfundível.
- Acordou cedo Thalita...
- É, você também... Deus informa quem cedo madruga, né?
- Deus ajuda é o ditado...
- Eu sei, mas no meu caso, informar é que conta. E aí, falando nisso, tem alguma informação exclusiva pra mim?
Dornelles revirou os olhos para ela enquanto pegava o café quente que acabara de ser servido em um copo americano, como ele gostava. Chegou perto do rosto, mas não levou à boca, a fumaça indicava que estava fervendo e queimar a língua não estava nos seus planos. Mesmo assim, testou com os lábios, apenas para comprovar.
Colocou o copo de volta no balcão e virou-se para a jovem de cabelos curtos e lisos ao seu lado. Seus olhos negros pareciam maiores atrás dos óculos que usava, discretos no rosto. E os lábios finos estavam sempre prestes a dar um sorriso sarcástico, do tipo que ele odiava que ela esboçasse quando vencia uma discussão com ele.
- Você sabe que o pai atiraria em você, né? - disse ele, enfim.
- Atiraria se você fosse o jornalista. Eu era a preferida dele, xodózinha. Pra mim, ele daria até entrevista exclusiva! - rebateu ela, o sorriso sarcástico.
- Ah sim, só porque você quer... - zombou, pegando o copo novamente, na esperança de que tivesse esfriado o suficiente para beber.
Thalita era a irmã mais jovem de Dornelles e, para desgosto do pai, embora ele jamais houvesse dito, havia se tornado jornalista. Para o investigador, isso não era nenhum problema, admirava a coragem e a determinação dela para encontrar a verdade, contar histórias e se engajar em causas sociais.
Fazia apenas três anos que haviam perdido o pai, que sofrera um infarto fulminante em casa. Da mãe tinham poucas lembranças, havia falecido vítima de um câncer quando os dois ainda mal chegavam à adolescência. Desde então, o pai fizera o trabalho dobrado para criá-los, com Dornelles assumindo muitas responsabilidades, principalmente com a irmã, muito antes do que gostaria. Lembrava-se com frequência do pai trabalhando muitas horas e como enquanto ele queria agradá-lo e "seguir a sua sombra", a irmã prestava mais atenção nas histórias dos jornais, não apenas sobre casos que envolvessem o pai, mas em todos que tivessem grande repercussão.
- Hoje é um dia que eu queria muito falar com ele, sabe... - recomeçou enfim Dornelles, finalmente conseguindo dar um gole no café.
- Por que, foi muito feio o que aconteceu na casa da G-Tox? Pode me adiantar algo? - perguntou ela, abaixando a voz, pronta para ouvir um segredo.
Dornelles não respondeu de imediato. Olhou para a TV na parede da padaria, atrás do balcão onde estavam e o jornal transmitia ao vivo na frente da residência. Não podia ouvir o que a repórter dizia, mas a legenda deixava claro: "Polícia confirma morte de G-Tox e do namorado, o empresário Jhonny Córdoba. Mais informações serão dadas em coletiva às 11h".
As horas para que o Assassino da Rosa de Sangue se tornasse realmente famoso estavam contadas e, quando isso finalmente acontecesse, Dornelles sabia que não teria paz até que ele fosse encontrado, capturado ou acabasse morto. Mesmo o tanto de desgraça que acontecia diariamente no Brasil não seria capaz de tirar a atenção totalmente de um assassino serial tão meticuloso.
Portanto, o que lhe restava nesse momento, talvez um dos últimos de paz sabe-se lá por quanto tempo, era compartilhar algo importante com a irmãzinha.
- Não é nem por isso, embora a opinião dele como delegado fosse sempre bem-vinda. - disse Dornelles - Mas é algo muito mais assustador.
- O que? - questionou, sem entender e quase preocupada.
- ...Você vai ser tia... - respondeu enfim, com um sorriso bobo e dando o último gole no café.
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O Assassino da Rosa de Sangue
Misterio / SuspensoO investigador Augusto Dornelles se depara com o caso mais complicado de sua vida e precisa lutar contra o tempo para tentar encontrar e prender o cruel e metódico assassino serial que tem matado pessoas em São Paulo e deixado uma rosa artificial co...