10 - Deu Ruim

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Dornelles e a irmã haviam concordado em seguir com o plano depois que a jornalista afirmara que o médico ficara desconfortável com as referências à G-Tox. Dessa forma, em poucos dias, ela marcou os exames que seriam necessários para iniciar o seu falso processo de fertilização.

Na mesma data, Dornelles se desligara um pouco do trabalho e de todas as mortes que tinha de investigar a cada dia, ainda que o Assassino da Rosa de Sangue seguisse sendo sua obsessão. Mas naquele momento, vilões, matadores e homicidas em geral teriam que esperar algumas horas, era dia de ouvir o coraçãozinho de seu filho batendo pela primeira vez.

Chegou ao apartamento de Raquel pontualmente, para variar, visto que atrasar era uma das suas - muitas - falhas, justificada quase sempre pela correria no trabalho. A companheira já o aguardara pronta, a barriga apenas começara a aparecer por baixo da roupa. 

Deu um beijo rápido em Raquel e desceram rapidamente para se dirigir à clínica onde seria realizado o ultrassom. No caminho, conversaram sobre amenidades e discutiram o nome do filho. Dornelles parecia ansioso, coisa que não passou despercebida por ela.

- Nunca te vi assim agitado, Nel. - brincou.

- Aposto que você tava assim também na primeira vez... - retrucou, em comentário um pouco ácido, já que não pudera acompanhar o primeiro ultrassom dela, por estar atarefado com o trabalho.

- Sim, verdade. E ele sentiu falta do pai... - devolveu, virando os olhos e colocando a mão sobre a barriga.

- É, mas queria muito ter ido. Mas hoje não tem matador que me tire desse ultrassom. Pode baixar o Jason com facão que vai ter que esperar! 

Ela se divertiu com o comentário dele, fez um carinho em seu braço enquanto ele dirigia, retribuído com um aperto companheiro na mão.

Logo chegaram na clínica, ele parou próximo à entrada para que ela descesse enquanto foi procurar uma vaga - que só encontrou em um estacionamento que cobrava quase o valor de uma diária de hotel pela permanência de uma hora do veículo. Enquanto se dirigia para encontrar com ela para o exame, respondeu a irmã, que havia lhe mandado mensagem, dizendo que também já estava na clínica para os exames para sua "fertilização in vitro". 

- Estou aqui já, deve ser rápido, é só colher sangue. Quer dizer, até onde sei. Não estou certa que ele vai querer examinar a minha "preciosa", mas, via das dúvidas, deixei ela bem cheirosinha... 

Dornelles fez uma cara de reprovação ao ler a mensagem, mesmo que irmã não pudesse ver.

- Não precisa descrever esses detalhes... - respondeu - Eu vou acompanhar a Kel no ultrassom, então o celular vai ficar desligado um tempo. Depois me conta se descobriu mais alguma coisa.

- Sim, vou tentar jogar uma conversa com as secretárias, ver se alguém deixa algo escapar. Ver se algum funcionário ou terceirizado não aceita suborno...

- Olha lá o que vai fazer, não se esquece que estamos fazendo isso por baixo dos panos...

- Fica tranquilo, eu sei o que tô fazendo. Agora vai lá ver o meu sobrinho. Aproveita que depois que ele conhecer a tia legal, nem vai querer saber de você.

- Ele não tem tia legal... tchau.

Dornelles desligou o aparelho logo após a última mensagem, tomando o cuidado de apagar a conversa antes disso - para este tipo de diálogo usavam um aplicativo pouco popular, com segurança criptográfica bem maior do que o mais tradicional WhatsApp, por exemplo.

Quando adentrou a clínica, sequer teve tempo para sentar-se, Raquel já o aguardava em pé para se dirigirem a um dos consultórios onde eram realizados os exames.

Uma auxiliar de enfermagem os acompanhou até o local, onde havia uma cadeira ao lado da maca para que ele se sentasse. Do outro lado, o aparelho de ultrassom, com um monitor pequeno e espaço para que o médico se posicionasse para operá-lo. No alto, na parede em frente à maca, havia uma TV enorme, que transmitiria também o exame.

Raquel vestiu-se com a camisola oferecida pela clínica e deitou-se na maca, seguindo a recomendação. Uma médica não demorou para aparecer, apresentar-se, confirmar algumas informações e iniciar o exame. 

Ainda não foi possível identificar o sexo do bebê e, pelo menos para Dornelles, as imagens que apareciam na tela significavam muito pouco. Era incapaz de identificar as partes do corpo do filho conforme a médica explicava. 

Nada disso importou, no entanto, quando ouviu os batimentos acelerados do coraçãozinho do bebê. A sensação, que experimentava pela primeira vez encheu seu coração de sentimentos conflitantes: alegria pelo filho que logo chegaria e pela família que formaria com Raquel, por quem era apaixonado; medo por colocar uma criança em um mundo onde a violência e a maldade pareciam espreitar a cada esquina; e ansiedade para poder abraçar o pequeno - ou pequena - o quanto antes.

Os sentimentos eram tão fortes que sequer percebeu a lágrima que rolara de um de seus olhos, evidenciando para a parceria sua emoção. Raquel também tinha os olhos marejados de felicidade.

O sentimento de alívio veio na sequência, quando a médica explicou, pacientemente, que estava tudo bem com o feto naquele período, estava se desenvolvendo bem e não havia motivos para preocupação.

Exame terminado, saíram de mãos dadas e, enquanto se dirigiam para o carro, Dornelles voltou a ligar o celular. Havia apenas uma mensagem da irmã: "Deu ruim". 

Olhou assustado para Raquel, que também vira a mensagem e, sem nada dizer, se apressaram a correr para o carro e ir em socorro de Thalita.

O Assassino da Rosa de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora