De fato, o tal código do CId-10 era algo que Dornelles não havia considerado: "Aborto não especificado".
Talvez porque abortos eram proibidos no país e, embora classificado como "não especificado", o investigador agora estava certo de que a clínica trabalhava muito mais do que com fertilização e simples atendimentos ginecológicos. Era uma clínica clandestina de abortos.
- Aqui, eu filtrei e encontrei outras pacientes com esse CID. Acho que isso prova que a clínica é o que você tá pensando mesmo... - disse Thalita, enquanto manejava o computador.
Dornelles apenas encarou a irmã por alguns momentos, depois se voltou novamente para tela do notebook, enquanto mantinha uma das mãos no queixo, pensativo.
- Tá. Essa informação é valiosa. Mas conseguimos de forma ilegal, então pode colocar o caso todo a perder. Mas é certo que alguém da clínica tá ligado aos assassinatos. Mas por quê? - murmurou, mais para si mesmo do que para a irmã.
- Bom, você vai pra casa, não vai ficar presa, é óbvio - continuou - Mas ainda tá respondendo uma acusação que só vamos conseguir reverter de alguma forma quando provarmos o envolvimento da clínica. Então, vai pra casa, fica fora de encrenca. - finalizou Dornelles.
- Tá bom! - respondeu ela, levantando as mãos como se estivesse sendo rendida - Eu tô cheia de matéria atrasada pra fazer, meu editor vai me matar! E depois disso capaz até de me demitir! - brincou, levantando-se com pressa da cadeira, não via a hora de poder tomar um banho em casa, tirar aquelas roupas que não lhe pertenciam e muito menos a definiam, e abraçar suas cadelas queridas.
- Sério Thalita, a gente tá lidando com um caso extremamente complexo e não podemos errar. Não de novo.
- Eu sei, eu sei. Eu vou passar comprar um celular novo e ficar em casa, tenho mesmo trabalho pra fazer. Mas qualquer coisa me avisa, esse caso é prioridade pra mim! Depois de tudo isso, quero exclusiva. Talvez assim eu vá para um grande jornal, ao invés de ficar produzindo coisa para um site colaborativo que mal paga minhas contas... Falando nisso, depois te mando a fatura do meu cartão pra pagar o celular, viu linduxo?
Dornelles apenas revirou os olhos e quase enxotou a irmã, tinha também muito trabalho - que ele considerava sério e fundamental, diferente das papagaiadas jornalísticas que eram divulgadas hoje em dia.
Por um momento, até se esqueceu da nova vítima, principalmente porque ela parecia não se encaixar no modus operandi, ainda mais com essa nova pista. Além disso, se a ligação entre as vítimas era mesmo o aborto, a lista tinha nomes de dezenas de outras vítimas em potencial. Tinha de correr.
Juntou as coisas e foi até Cabral, que estava ao telefone. A pilha de papeis em sua mesa havia crescido desde a última vez.
- Dornelles, eu sei que você tá focado no cara da flor, ainda mais com essa nova vítima hoje, mas eu não posso te deixar só nisso. Preciso que dê uma ajuda no arroz com feijão, a gente tem que eliminar uns casos mais simples antes que eu precise de uma sala maior para acumular papel... - disse o delegado, assim que desligou o telefone. Parecia exausto, mas mantinha o cabelo e a roupa impecáveis, como se estivesse prestes a desfilar.
- Cabral, eu sei, eu ajudo como puder, levo pra caso se precisar, mas preciso te mostrar uma coisa. Mas antes preciso saber se você tá comigo. Porque é uma informação que conseguimos de forma ilegal...
O delegado deu um longo suspiro.
- Encosta a porta e me mostra o que você tem. Se for bom o suficiente pra resolver o caso a gente dá um jeito. Não seria a primeira vez que a polícia cometeria algo ilegal... mas pelo menos, dessa vez, seria por um bom motivo... - divagou.
Dornelles pegou o notebook da bolsa e abriu sobre a mesa de Cabral, afastando um pouco os papeis para que o aparelho tivesse espaço. Não fez o drama e o suspense tal qual a irmã, apenas explicou rapidamente que haviam tido acesso a uma lista de pacientes da clínica e as duas vítimas passaram por um aborto.
- Isso pode ser alguma coisa, mas pode ser só uma coincidência Dornelles. Não sei se você já aprendeu essa parte, mas mulheres sofrem abortos espontâneos a todo momento...
- Não, eu sei, claro. Mas pensa Cabral... é uma clínica particular, com preço razoavelmente salgado. A primeira vítima não era nenhuma milionária, tinha uma boa condição, mas nada de mais. Então, ainda que abortos espontâneos aconteçam, dificilmente tantas mulheres procurariam a clínica por esse motivo. Pode ver que a maioria teve dois ou três atendimentos, ou seja, não eram pacientes. Foram apenas para realizar o procedimento, longe de ser barato, imagino eu.
Cabral levantou-se da cadeira, ficou pensativo.
- Você tem razão. - fez uma pausa - Essa informação... foi sua irmã quem conseguiu?
- Sim. Ela... hã... usou um programa espião para roubar dados do computador da clínica antes de ser pega...
- Hum. Às vezes é bom ter alguém fazendo alguma besteira desse tipo... se estiver mesmo certo, podemos pegar esse infeliz e evitar algumas mortes. Mas... e o velho de hoje? - perguntou.
- Eu não consegui achar nenhuma relação ainda, sei lá, pode ser só um imitador...
- Não, - interrompeu Cabral - a flor estava colorida com sangue também, o Tobias já me confirmou. Ninguém ia ter tanto trabalho só para imitar. A gente tá lidando com um maluco muito específico. Foca nisso então, revira a vida do velho. Temos de achar alguma ligação. E torcer pra clínica não desconfiar de nada por enquanto.
- Tá... eu vou só adiantar uns casos e...
Cabral não deixou que ele terminasse.
- Esquece os outros casos e o que eu disse. Quero você focado nisso, revirando a história do velho, vendo se alguma das mulheres nessa lista que me mostrou corre perigo, dá teu jeito. Isso é nossa prioridade, o resto eu jogo pra outro investigador que só quer terminar o dia e ir pra casa tomar uma cerveja. Porque sei que você não vai sossegar até resolver isso.
Dornelles balançou a cabeça positivamente, pegou seu notebook e saiu da sala. Tinha muito trabalho a fazer, mas estava com o ânimo renovado, sentindo que tinha dado um passo importante em direção à resolução dos crimes.
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O Assassino da Rosa de Sangue
Mystery / ThrillerO investigador Augusto Dornelles se depara com o caso mais complicado de sua vida e precisa lutar contra o tempo para tentar encontrar e prender o cruel e metódico assassino serial que tem matado pessoas em São Paulo e deixado uma rosa artificial co...