14 - CID-10: Z-01.4

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- Thalita, você sabe que tá detida né?

- Sim, eu sei, tive de implorar aqui pra me deixarem usar seu computador e te ligar. Aliás, você me deve um celular. 

- Meu computador? E como você sabe minha senha?

- Ah para né? Aniversário da Raquel... você é um romântico! Logo vai mudar para o aniversário do filho.

Dornelles suspirou profundamente. Havia uma nova vítima, a irmã estava presa e com um problema por conta de uma situação que ele mesmo criara, então não estava com paciência para suas traquinagens. 

- Tá bom, o que descobriu?

- Não posso falar pelo telefone. Preciso que você venha para cá!

- Eu vou assim que puder. 

- Precisa ser agora! É sério, isso é importante. 

O investigador não respondeu por um momento. Sentia a urgência na voz da irmã, mas não podia simplesmente abandonar a cena do crime. Havia um longo processo para ser realizado antes que pudesse deixar o local.

- Certo, vou assim que puder. - disse, enfim, e desligou.

Voltou em seguida para a cena do crime, Tobias e a equipe haviam iniciado a perícia, que deveria demorar um bom tempo. Observou a cena mais uma vez e fez suas últimas anotações sobre a garrafa com bebida e a rosa vermelha artificial. Ainda não estava convencido de que se tratava do Assassino da Rosa de Sangue, mas algo lhe dizia que a questão era muito mais complexa. De certo que havia topado com um maluco que acreditava estar vivendo em um filme. O problema é que cada vítima era uma pessoa de verdade, com uma vida, e não um ator que voltaria no próximo papel.

Foram pelo menos duas horas conversando com possíveis testemunhas que pouco ajudaram, mas, ainda assim, preferia isso a cinco minutos de conversa com a mídia. Não, isso era trabalho do delegado e Cabral era articulado o suficiente para não cometer deslizes. Mais do que isso, havia feito um curso com um media training bem caro para tanto.

Chegou de volta à delegacia de carona com um policial e a irmã ainda estava lá, o esperando. No entanto, como o advogado que prestara a queixa já havia deixado o local, a jovem já estava bem mais à vontade, visto que conhecia alguns dos colegas de trabalho do irmão. Tinha até pedido lanche para o almoço.

- Pedi um cachorro-quente pra você, com bastante vinagrete. - disse ela, apontando para a embalagem sobre a mesa dele, junto a uma pilha de papeis. 

Dornelles não disse nada, apenas se sentou. Sabia que era uma tentativa de amenizar o clima pesada da conversa que precisavam ter; ele odiava vinagrete. O cheiro do lanche, que ainda estava quente, atiçou sua fome; não comia há horas. Mas resistiu.

- Então, o que você queria me mostrar, o que descobriu?

- Ah, sim, claro. Achei que ia querer comer antes. Mas liga seu notebook.

O investigador pegou o aparelho que guardava em sua mochila pessoal. Embora contasse com equipamento da polícia, preferia manter algumas coisas no seu próprio notebook pessoal, para que pudesse estudar em casa à noite ou nas horas de folga - o que quase sempre terminava em olhares de reprovação de Raquel.

Thalita, que até então estava sentada na cadeira à frente da mesa, levantou-se, deu a volta e apoiou-se sobre o ombro do irmão. Assim que o notebook ligou, ela clicou em uma aba que já estava aberta.

Dornelles observou por um momento para entender as anotações em um texto todo bagunçado de um arquivo em TXT na tela e logo se deu conta que eram dados da clínica. 

- Você hackeou a clínica...? - perguntou, embora praticamente afirmasse.

- Sim, mas a questão não é essa. Olha os registros. Não só a G-Tox passou por lá como também a primeira vítima. - Dornelles coçou a cabeça por um momento.

- Não entendo...

- Aqui irmão, deixa a pessoa inteligente da família te mostrar. Os dados do prontuário mostram atendimento ginecológico, aqui, no campo do CID-10, o código: Z-01.4, ou seja, Exame ginecológico geral, de rotina. - disse ela, mostrando o significado da consulta na Classificação Internacional de Doenças, o CID-10, que estava em outra janela na tela do computador.

- Agora... tá preparado para a grande revelação? - brincou a irmã, que realmente parecia ter esquecido que estava na delegacia na condição de acusada.

- Que revelação, que você roubou dados de uma clínica, vai acabar presa e eu expulso da polícia?

- Não, deixa de ser dramático. Tá vendo aqui, nessa linha? - apontou para palavras e códigos em uma linha específica na tela - Então, esse campo é de uma anotação que não sai no prontuário, é tipo uma anotação particular do médico, sabe? 

- Tipo "paciente usando nome falso para ser atendida"? - questionou Dornelles, fazendo uma rara piada, ainda que carregada de reprovação.

- É, tipo isso mesmo. Aqui, tá vendo isso? Aparece nas duas pacientes. 

- O06? Era para significar alguma coisa?

- Sim, significa e muito. Olha aqui no CID-10 para que é esse código. - completou Thalita, voltando à tela da Classificação Internacional de Doenças e acompanhando o olhar de espanto e a expressão perplexa à qual o irmão finalmente se rendia.


O Assassino da Rosa de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora