23 - Confissão

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As imagens no notebook que Tobias acabara de revelar eram realmente de revirar o estômago de pessoas mais sensíveis, mas davam uma prova ainda maior de que Afonso deveria ser mesmo o culpado.

Tratava-se de fotos de cada um dos crimes. E embora as marcas da violência não fossem notáveis na maioria, pelo menos no último, do velho senhor, elas eram bem evidentes e uma sequência de imagens mostrava que ele havia ficado preso pelo menos uma semana. Um calafrio percorreu a espinha do investigador ao constatar tal situação.

Dornelles olhou com atenção e foi até a sala, onde o técnico de TI continuava procurando informações que pudessem ser úteis. 

- Cara, seguinte, quero todos os registros de câmera dele até a data do primeiro assassinato. E do que tiver da rua aqui também, de todo acesso próximo, entendeu?

O rapaz, que parecia não tomar sol há muito tempo e usava uma camisa colorida, respondeu com um aceno de cabeça efusivo.

- Pode deixar chefe, vou providenciar o que tiver. Mas daqui acho que não deve sair muita coisa, o registro é sobrescrito a cada trinta dias... 

- Tudo bem, o que tiver. Pede para entregar direto pra mim na delegacia tudo que tiver. - terminou o investigador.

Todas as provas poderiam mesmo ser a indicação de que Afonso era o assassino, mas estava tudo muito bem organizado, muito direcionado para que acreditassem nisso.

Dornelles então investiria em checar cada detalhe. Primeiramente, analisaria as imagens de câmeras, veria se Afonso estava em casa nas datas dos crimes, se era possível saber quando ele chegara e saíra. Era um tiro no escuro, mas um começo. 

- Dornelles, sobe aqui! Achamos mais uma coisa! - Chamou Cabral, gritando do alto da escada.

O investigador respirou fundo. O que seria agora, uma confissão explícita?

Quando chegou de volta ao quarto, viu que se tratava exatamente disso. Havia um arquivo no computador, assinado pelo próprio Afonso; um diário contando suas motivações e como cometera cada crime.

Dornelles e Cabral sentaram-se frente à mesa onde o notebook estava apoiado para acompanhar a leitura das anotações, feitas em sequências, mas não datadas.

Anotação 1 - Eu não posso mais aceitar tantos pecados e tantas pessoas achando que eliminar uma vida inocente, que sequer vai ter a chance de nascer, é algo normal, e que não merece uma retribuição divina. Mas enquanto ela não vem, acho que está na hora de eu fazer a minha parte. Eu tenho o poder para isso.

Anotação 2 - Hoje uma mulher jovem procurou a clínica. Ainda início de gravidez. Quis conhecer o serviço e ficou bastante interessada. 

Anotação 3 - A mulher, Daniela, voltou. Dessa vez trouxe o namorado, Angelo. Eles não parecem muito próximos, mas fecharam o procedimento. Eu já não tenho dúvidas do que precisa ser feito. Um jovem casal, com condição de pagar essa quantia para tirar uma vida, de certo que teria condição de criá-la. 

Anotação 4 - Ouvi uma voz sussurrando no meu ouvido quando entrei na casa de Daniela, assim que a deixei desacordada, graças ao anestésico que injetei em seu pescoço. Eu acho que era um anjo, dizendo exatamente o que deveria ser feito. Eu não sei se vão entender a minha mensagem, mas o importante é que saibam no futuro que ela morreu porque havia se tornado uma assassina de crianças. E eu não podia mais tolerar quieto esse tipo de coisa. O namorado dela mereceu o mesmo destino, dias depois, quando tive a oportunidade. O vinho simbolizando tudo que eles beberam quando conceberam a vida que tiraram depois e a rosa com sangue pelo pecado cometido.

Anotação 5 - Ter feito justiça trouxe-me uma enorme paz interior. Eu sabia que estava fazendo um trabalho sagrado, eliminando de nosso mundo, que já é horrível, pessoas que estavam além de qualquer limite, capazes de matar uma criança que sequer nasceu. Algumas semanas se passaram até que encontrei mais uma vítima. Uma mulher famosa entre os jovens, uma influencer com um discurso mentiroso. Mas ela não me enganava, nem no primeiro momento foi capaz disso. Eu soube assim que coloquei os olhos nela que era uma assassina, disposta a matar o próprio filho para manter-se fiel ao seu falso discurso e continuar influenciando jovens idiotas. Seu namorado não era melhor que ela. Os dois precisavam morrer.

Anotação 6 - Fiquei muito tempo sossegado, sabendo que muitas pessoas precisavam encontrar o seu destino final, mas a polícia e a mídia estavam atentos. De certo que, em breve, eu mesmo teria que encontrar o meu próprio desfecho, afinal, por dinheiro, muitas vezes eu fui cúmplice desses assassinos, antes de ouvir a voz divina que me indicara o que eu deveria fazer. Sabia que não me traria redenção, mas ao menos equilibraria um pouco a balança da justiça neste mundo.

Anotação 7 - Nem todos os que merecem a morte são porque recorreram a um aborto, há aqueles que foram em outra direção, permitiram o nascimento da criança e, desde então, ocuparam-se de torturá-la e garantir que ela cresceria sem alegria, felicidade e, principalmente, sem amor. Encontrei alguém assim, um velho bêbado e arrependido. Conversei com ele, tomamos uma cerveja juntos. Passou muito tempo contando sobre o filho. E descobri que não se falam porque o rapaz fugiu do pai violento e agressivo. As marcas psicológicas que devem ter ficado são muito piores que as físicas. E embora pareça que o velho está sendo castigado com a distância, eu sei o que deve ser feito. A hora dele chegou. Mas antes da morte, ele deve sofrer uns dias mais, sabendo qual a verdadeira sensação de abandono que infligiu ao próprio filho.

Anotação 8 - É chegada a hora. Chamei Juliana até minha casa, ela não desconfia que vai ser instrumento da minha última obra. Coitada, talvez não merecesse esse fim, mas eu preciso de alguém para me ajudar e ela é a pessoa mais indicada. Seu sangue será eternizado com a minha mensagem. Além disso, ela trabalha para a clínica e fecha os olhos para o que acontece lá dentro, mantém sua consciência bem tranquila. Mas essa noite, tudo acaba. Eu só espero que o mundo receba minha mensagem e as pessoas saibam que as consequências de seus atos têm consequências.

Essa foi a última anotação. Dornelles e Cabral se entreolharam e o celular do delegado tocou. Ele atendeu rapidamente e retornou para o investigador.

- O secretário tá aí... - disse, tenso.

O Assassino da Rosa de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora